Direito Administrativo
Apossamento Administrativo - Indenização - Parque Estadual da Serra do Mar e Tombamento - Configurada mera
limitação administrativa. Inocorrência da nulificação da propriedade. Indenização que deve quantificar o montante
da desvalorização decorrente dos atos da Administração Estadual. Parâmetro revelado pela atualização do valor da
aquisição original do imóvel, na forma indicada pelo Assistente Técnico da Fazenda do Estado, com a exclusão da área
de preservação permanente concebida na forma do Código Florestal. Recurso parcialmente provido (TJSP - 12ª Câm.
de Direito Público; Ap nº 994.06.161351-0-Praia Grande-SP; Rel. Des. Venicio Salles; j. 23/6/2010; v.u.).
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes
Autos de Apelação nº 994.06.161351-0,
da Comarca de Praia Grande, em que
é apelante A. R. P., sendo apelada Fazenda
do Estado de São Paulo.
Acordam, em 12ª Câmara de Direito
Público do Tribunal de Justiça
de São Paulo, proferir a seguinte decisão:
“deram provimento em parte
ao Recurso. v.u.”, de conformidade
com o Voto do Relator, que integra
este Acórdão.
O julgamento teve a participação
dos Desembargadores Wanderley
José Federighi (Presidente sem
voto), J. M. Ribeiro de Paula e Edson
Ferreira.
São Paulo, 23 de junho de 2010
Venicio Salles
Relator
RELATÓRIO
Trata-se de Recurso de Apelação
interposto nos Autos da Ação de Indenização
por Apossamento Administrativo
(desapropriação indireta)
objetivando o pagamento de indenização
das matas, terra nua, etc.,
correspondente a gleba de terras
pertencentes aos autores que está
contida dentro do Parque Estadual da
Serra do Mar, instituído pelo Decreto
Estadual nº 10.251, de 30/8/1977,
e tombado pela Resolução nº 40, de
4/6/1985, da Secretaria de Cultura
do Estado, devendo ser atualizada,
com juros compensatórios sobre a
indenização corrigida a partir do citado
Decreto no percentual de 12%
ao ano até o efetivo pagamento, juros
moratórios a partir da citação no
percentual de 6% ao ano até o efetivo
pagamento, além das cominações de
estilo.
A Ação foi julgada improcedente
sob o fundamento de que não houve
apossamento da propriedade pela
Fazenda Estadual, mas mera limitação
administrativa que não subtraiu
dos autores o domínio sobre o imóvel,
não impedindo o uso e gozo (fls.
941-942).
Inconformados, apelam os autores
sustentando que perderam seu
imóvel para a Fazenda Estadual. Argumentam
que a criação do Parque
Estadual da Serra do Mar (1977) é
posterior à aquisição da gleba (1974),
requerendo indenização pela perda
da propriedade no valor a que chegou
o seu assistente, acrescido de
juros compensatórios de 12% ao ano
a contar da instituição do Parque
Estadual da Serra do Mar, juros moratórios
de 6% ao ano a partir da citação,
cumulando-se os juros, além
do pagamento das custas, despesas,
salário de seu Assistente Técnico e
honorários (fls. 968/978).
As contrarrazões foram apresentadas
reiterando as razões do Agravo
Retido de fls. 370/375 sobre a incompetência
absoluta do Juízo, da ilegitimidade
passiva e a falta de interesse
de agir e, ao final, requer a manutenção
do decisum (fls. 985/1034).
É o relatório.
VOTO
A decisão de 1º Grau desacolheu o
pedido vestibular, afirmando a inexistência
do apossamento administrativo
ou de qualquer outra forma específica
de dano à propriedade. Portanto, a
decisão monocrática de 1º Grau afastou
qualquer reconhecimento de dano
decorrente da criação do parque florestal
ou do tombamento da área.
Inicialmente é de se reconhecer
que a postulação indenizatória não
atingiu a gradação final da pretensão,
posto não ter se materializado o pretenso
apossamento administrativo,
mas mera restrição de uso ou restrição
administrativa ou urbanística.
O apossamento somente se consolida
quando o Estado, ou outra
entidade em seu nome, toma posse
física de um bem, gerando a afetação
que impregna o imóvel, transmudando
sua titularidade para bem público
de uso comum ou especial. Nesses
casos, o titular do domínio perde, por
completo, o uso, gozo e a disponibilidade
do bem afetado ao uso público.
No caso, a área foi atingida pelos
efeitos do Decreto nº 10.251/1977,
que criou o Parque Estadual da Serra
do Mar, e o posterior tombamento,
sem provocar o esgotamento da propriedade.
As investidas da Administração
Estadual apenas provocaram restrições
administrativas específicas
ou singulares, que limitaram o uso e
a fruição do bem, mas não o esgotaram.
O titular do domínio poderá,
respeitando as restrições, proceder
aos mais diversos usos, mormente
ligados à exploração turística ou a
outros efeitos similares.
Destaque-se que limitação administrativa
representa, na prática,
a fixação de parâmetros para o uso
da propriedade e, como regra, não
desencadeia qualquer perda indenizável.
As decisões administrativas
instituidoras de restrições coletivas
que organizam genericamente as cidades
e os espaços rurais provocam
alterações, para mais ou para menos,
no preço dos imóveis atingidos,
contudo, tal variação patrimonial
não comporta reparação. Trata-se
de ônus que deve ser debitado ao interesse
coletivo voltado à realização
do interesse público.
Assim, o Plano Diretor, salvo previsões
específicas, traça os rumos
da cidade, acomodando os interesses
de seus habitantes, atendendo a
interesses gerais, que, em princípio,
a todos favorecem.
Este contexto “geral” não abre
espaço para ações indenizatórias em
face do Poder Público.
O mesmo ocorreu quando da edição
do Código Florestal - Lei Federal
nº 4.771/1965 -, quando estabeleceu
um padrão nacional, instituindo restrições
permanentes ligadas à preservação
das matas existentes nos
cumes dos morros, montes, montanhas
e serras, bem como ao longo do
curso d’água e 50% das demais áreas
nativas. O Código Florestal, determinado
para todo o território, gerou
restrições coletivas não indenizáveis.
É correta a constatação de que
o Código Florestal, concebido como
uma lei extremamente avançada
para sua época, não conquistou eficácia
imediata, tanto que foi ignorado
por longos anos. Era uma norma
dotada de validade, mas desprovida
de eficácia. Apenas recentemente,
em uma forma invertida de repristinação,
é que o vetusto Código passou
a ser considerado e exigido.
Pois bem, a restrição estadual em
exame exacerbou as restrições anteriores
(Código Florestal), impedindo
o desmatamento integral do imóvel,
transformando todas as matas em
áreas de preservação permanente.
O tombamento veio confirmar e alargar
essas restrições.
Evidente que a limitação administrativa
determinada pelo Decreto nº
10.251/1977 não tem a abrangência
ou a extensão geral do Código Florestal,
não conquistando aquele caráter
coletivo e geral, pois o foco atingiu
propriedades da região das serras,
onde somente alguns proprietários
foram atingidos e outros, ao passo
que os demais detentores de imóveis
no litoral foram beneficiados.
Restrições dirigidas em face de
determinados titulares quebram o
sentido geral e abrangente, de forma
que admitem a devida e justa reparação.
Observe-se, neste sentido, Voto
prolatado junto à Apelação Cível nº
403.441.5/9-00-Santos:
“Quanto à questão de fundo propriamente
dita, é de se destacar que
as restrições e limitações de uso
que atingem e vinculam a propriedade
privada somente podem escapar
do campo indenizatório quando revestidas
de generalidade no que diz
respeito à abrangência ou à aplicabilidade,
e à modicidade no que afeta
a sua interferência na propriedade
dominial. Ou seja, não há indenização
quando a limitação for de natureza
geral, atingindo um universo
significativo de pessoas e bens, e
quando, por seu conteúdo, esta não
representar uma alteração anormal
ou desproporcional no uso da
propriedade.
Tudo decorre da graduação como
as limitações ou restrições são concebidas.
Se envolverem abrangência
máxima com interferência mínima,
não há indenização. Mas, ao reverso,
se a abrangência for mínima, com o
máximo de interferência, sem dúvida
haverá a necessidade de indenização
dos prejudicados.”
A criação de parques estaduais
provoca perdas específicas que devem
ser recompostas com a justa e
adequada indenização.
Fixado este posicionamento, é de
se considerar que a pretensão não
foi colhida pelos efeitos prescricionais,
posto que a demanda foi interposta
antes do esgotamento do prazo
prescricional que se rege pelo CC,
que prevê prazo vintenário.
Evidentemente que as restrições
que já vinham previstas no Código
Florestal não permitem indenização,
mas apenas aquele plus restritivo
concebido pelo Decreto Estadual e
o tombamento. Assim, estão fora da
mensuração da indenização as perdas
relativas às áreas acima da quota
20 ou que estejam ladeando cursos
de água, bem como as encostas
com declividade superior a 45°, correspondentes,
o que corresponde,
em termos concretos para o presente
feito, a uma área de 0,775 hectares
(aproximadamente 7%) do total de
10,02 hectares da área inventariada.
No entanto, nas áreas que não ostentem
restrições da lei nacional, a
indenização se revela de rigor.
Quanto às considerações técnicas,
o perito judicial bem esclareceu
que a criação do Parque Estadual e o
tombamento (Resolução nº 40/1985)
praticamente “esvaziaram” o aproveitamento
urbano do imóvel, inviabilizando
o seu fracionamento para a
criação de loteamento ou desmembramento.
De outro lado, a avaliação considerou
a inexistência de qualquer
projeto urbanizável, concebendo a
área como porção de gleba bruta,
com restrição total ao aproveitamento
econômico (fls. 468), inclusive
com a impossibilidade de utilização
do parcelamento do solo (fls. 469).
Contudo, não é razoável privar os
requerentes da indenização do efetivo
dano econômico, haja vista tratarse
de uma área de considerável extensão,
dotada de recursos naturais
(sobretudo em se tratando da exploração
de madeira).
Note-se que, dos métodos de avaliação
apresentados, o melhor e mais
apropriado seria o método comparativo,
por ser capaz de dimensionar
com mais precisão o valor do imóvel,
considerando elementos similares
em termos de localização, exploração
e topografia. Contudo, esse
sistema não atende completamente
a hipótese dos Autos, posto que as
restrições e o tombamento, como já
destacado, não nulificaram por completo
a propriedade e seu uso, mas
arruinaram qualquer tipo de exploração,
como a reativação da pedreira
encontrada na extremidade de um
morro (fls. 487).
Quanto ao método da transposição
de local para a via marginal
à rodovia indicado pelo Assistente
Técnico dos requerentes, nos moldes
como ofertado, e pelas mesmas razões
supra, também se mostra inábil
para a mensuração da indenização,
mormente porque instiga uma supervalorização
da área bruta, ao exigir
a sua comparação com região urbanizada
e com potencial econômico
comprovado, notadamente incompatível
com a área em discussão, que,
embora possua algum potencial econômico,
está longe de possuir infraestrutura
pronta e finalizada para a
exploração de toda e qualquer atividade
com fins lucrativos.
Por fim, o método indicado pelo
Assistente Técnico Fazendário, conquanto
não seja exatamente preciso
em seus conceitos, se presta para
dimensionar as perdas experimentadas
com as restrições, avaliando
o bem pelo valor atualizado da sua
aquisição, que se deu em 14/2/1974.
A compra foi realizada pelo valor de
Cr$ 70.000,00 (fls. 17), que, atualizado,
conforme cálculo apresentado
pelo Assistente a fls. 696/698, corresponde,
em abril/2000, ao valor
de aproximadamente R$ 20.700,00
(fls. 607).
É correto que o imóvel experimentou
valorização imobiliária ao longo
dos anos, mas esta se compensa
justamente pelo fato de a indenização
corresponder às limitações ou
restrições administrativas, não podendo
corresponder ao valor total do
imóvel.
Assim, à míngua de qualquer outra
posição mais ajustada e correta,
é de se adotar a conclusão do Assistente
Técnico da Fazenda do Estado,
afastando-se os apurados pelo perito
judicial no que afeta ao valor do
solo.
Sem prejuízo, também deve integrar
a indenização o valor econômico
das matas, considerando-se
seu potencial econômico com base
nos dados obtidos com o inventário
e avaliação florestal realizados em
fevereiro/2000, que levou em consideração
a prevalência do potencial
para exploração de madeira para fins
industriais ou como recurso energético
(fls. 507/552). Obviamente que o
cálculo exclui as áreas de preservação
permanente.
Nesse sentido, foi apurado o valor
total de R$ 15.081,12 para a área
inventariada sem restrições ambientais
(equivalente à metragem
de 9,24 hectares), quantia esta que
foi deduzida com base no seu potencial
madeireiro (valores da lenha, da
madeira de 1ª e de 2ª qualidades) e
que deverá ser acrescida ao valor
atualizado da aquisição do imóvel dos
requerentes.
De rigor, portanto, a condenação
da Fazenda do Estado de São Paulo
na indenização aos autores no montante
total de R$ 35.781,12, valor que
deverá ser corrigido monetariamente
pela Tabela Prática do TJSP desde
a data do Laudo, acrescido de juros
de mora de 0,5% ao mês contados da
citação.
A Fazenda do Estado arcará com
o valor da sucumbência, reembolsando
os valores das custas e honorários
periciais, bem como com o pagamento
da verba honorária na base
de 10% do valor da condenação.
Assim, pelos motivos expendidos,
dá-se parcial provimento ao Recurso
dos requerentes.
Venicio Salles
Revisor