DIREITO CIVIL
Civil - Recurso Especial - Ação de Cobrança - Conflito de leis no tempo - Taxas condominiais - Juros moratórios acima de 1% ao mês - Previsão na convenção do condomínio - Possibilidade - 1 - Em face do conflito de leis no tempo e conforme prevê o art. 2º, § 1º, da LICC, os encargos de inadimplência referentes às despesas condominiais devem ser regulados pela Lei nº 4.591/1964 até 10/1/2003 e, a partir dessa data, pelo CC/2002. 2 - Após o advento do CC/2002, é possível fixar na convenção do condomínio juros moratórios acima de 1% ao mês em caso de inadimplemento das taxas condominiais. 3 - Recurso Especial provido (STJ - 3ª T.; REsp nº 1.002.525-DF; Rel. Min. Nancy Andrighi; j. 16/9/2010; v.u.). |
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ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes Autos, Acordam os Ministros da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos Votos e das notas taquigráficas constantes dos Autos, por unanimidade, em dar provimento ao Recurso Especial, nos termos do Voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Vasco Della Giustina votaram com a Sra. Ministra Relatora. Brasília, 16 de setembro de 2010 Nancy Andrighi Relatora RELATÓRIO A Exma. Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relatora): trata-se de Recurso Especial, interposto pelo C. J. B. V., com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, contra Acórdão exarado pelo TJDF. Ação: de cobrança, ajuizada pelo recorrente, em face de U. G. O. J. Nas razões declinadas na Inicial, a recorrente aduziu que o recorrido inadimplira as taxas condominiais referentes aos meses de abril a novembro/2001. Diante disso, requereu o pagamento das cotas vencidas, no valor de R$ 1.172,13, e vincendas. Sentença: extinguiu o Processo, sem a resolução do mérito, com fundamento no art. 267, inciso IV, do CPC, visto que o condomínio não está regularmente constituído. Acórdão: deu provimento à Apelação interposta pelo recorrente, para cassar a sentença, ao fundamento de que “os condomínios, ainda que em situação irregular perante a Administração Pública, possuem legitimidade ativa para ajuizar ação de cobrança em face dos condôminos em atraso com o pagamento das taxas condominiais aprovadas em Assembleia” (fls. 124). Sentença: prosseguindo no julgamento do Processo, julgou procedente o pedido, para condenar o recorrido ao pagamento de R$ 1.172,13, referente às parcelas vencidas. Condenou, ainda, ao pagamento das parcelas vincendas, aplicando juros moratórios de acordo com a convenção do condomínio até a entrada da vigência do CC/2002 e, a partir desse, de 1% ao ano. Acórdão: negou provimento à Apelação interposta pelo recorrido e deu parcial provimento à Apelação do recorrente, para determinar “que sobre a importância de R$ 1.172,13 incidam juros de mora de 0,3% (sic) ao dia, após o 30º dia do vencimento e multa de 2% ao mês, até o advento do novo CC (12/1/2003). Após este período, devem ser aplicados os juros previstos no § 1º do art. 1.336, ou seja, juros de mora de 1% ao mês e multa de 2% ao mês, bem como correção monetária em todos os períodos” (fls. 297). Confira-se a ementa: “Apelação Cível. Cobrança de cotas condominiais. Pedido corretamente especificado. Débito suficientemente comprovado. Inépcia da Inicial afastada. Período anterior ao novo CC. Incidência de juros e multa conforme convenção condominial. Período posterior. Inteligência do § 1º do art. 1.336 do novo CC. (...) Aplicam-se os juros e as multas previstos na convenção condominial até a data da entrada em vigor do novo CC (12/1/2003). A partir daí, as taxas condominiais ficam sujeitas aos juros de 1% e à multa de 2% ao mês, de acordo com o art. 1.336, § 1º, desse diploma legal” (fls. 291). Embargos de Declaração: interpostos pelo recorrente, foram rejeitados (fls. 308/313). Recurso Especial: alega violação do art. 1.336, § 1º, do CC/2002. Insurge-se contra a limitação dos juros moratórios a 1% ao mês, a partir da vigência do CC/2002, quando a convenção condominial expressamente prevê percentual superior. Sustenta “que os juros convencionados são os juros que pertencem à regra, e os juros de 1% à exceção, sendo estes aplicados apenas na falta daqueles” (fls. 330). Juízo prévio de admissibilidade: decorrido o prazo legal sem que fossem apresentadas as contrarrazões ao Recurso Especial (fls. 340), esse foi inadmitido (fls. 342/344). Interposto Agravo de Instrumento (nº 867.743-DF) pelo recorrente, dei-lhe provimento, para determinar a subida deste Recurso Especial, para melhor exame. É o relatório. VOTO A Exma. Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relatora): cinge-se a lide a determinar se, após o advento do CC/2002, é possível fixar na convenção do condomínio juros moratórios acima de 1% ao mês em caso de inadimplemento das taxas condominiais. 1 - Considerações iniciais |
Os encargos de inadimplência incidentes sobre as despesas condominiais, de acordo com o art. 12, § 3º, da Lei nº 4.591/1964, são: 1 - juros moratórios de 1% ao mês; e 2 - multa de até 20% sobre o valor do débito. Os encargos de inadimplência incidentes sobre as despesas condominiais, de acordo com o art. 12, § 3º, da Lei nº 4.591/1964, são: 1 - juros moratórios de 1% ao mês; e 2 - multa de até 20% sobre o valor do débito. Por sua vez, o art. 1.336, § 1º, do CC/2002, que disciplina a mesma matéria, assim dispõe: “o condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, aos de 1% ao mês e multa de até 2% sobre o débito”. Assim, em face do conflito de leis no tempo e conforme prevê o art. 2º, § 1º, da LICC, os encargos de inadimplência referentes às despesas condominiais devem ser regulados pela Lei nº 4.591/1964 até 10/1/2003 e, a partir desta data, pelo CC/2002. Nesse sentido, confira-se o entendimento firmado no REsp nº 746.589-RS, Rel. Min. Aldir Passarinho, 4ª T., DJ de 18/9/2006, assim ementado: “Civil e Processual. Acórdão estadual. Nulidade não configurada. Cotas condominiais em atraso. Multa condominial de 10% prevista na convenção, com base no art. 12, § 3º, da Lei nº 4.591/1964. Redução a 2% determinada pelo Tribunal a quo, em relação à dívida vencida na vigência do novo CC, art. 1.336, § 1º. Revogação do teto anteriormente previsto, por incompatibilidade. LICC, art. 2º, § 1º. 1 - Acórdão estadual que não padece de nulidade, por haver enfrentado fundamentadamente os temas essenciais propostos, apenas com conclusão desfavorável à parte. 2 - A multa por atraso prevista na convenção de condomínio, que tinha por limite legal máximo o percentual de 20% previsto no art. 12, § 3º, da Lei nº 4.591/1964, vale para as prestações vencidas na vigência do diploma que lhe dava respaldo, sofrendo automática modificação, no entanto, a partir da revogação daquele teto pelo art. 1.336, § 1º, em relação às cotas vencidas sob a égide do CC atual. Precedentes. 3 - Recurso Especial não conhecido. 2 - Da interpretação do art. 1.336, § 1º, do CC/2002 Neste processo, a convenção do condomínio prevê a incidência de juros moratórios de 0,3% ao dia após o 30º dia de vencimento e multa de 2% em caso de inadimplemento das taxas condominiais (fls. 296). A despeito disso, o Acórdão recorrido concluiu que, na vigência do CC/2002,” devem ser aplicados os juros previstos no § 1º do art. 1.336, ou seja, juros de mora de 1% ao mês e multa de 2%” (fls. 297). Todavia, infere-se da leitura do art. 1.336, § 1º, do CC/2002 que: 1 - devem ser aplicados os juros moratórios expressamente convencionados, ainda que superiores a 1% ao mês; e 2 - apenas quando não há essa previsão, devem-se limitar os juros moratórios a 1% ao mês. Com efeito, o referido dispositivo não limitou a convenção dos juros moratórios ao patamar de 1% ao mês como o fez expressamente com a multa, que será de “até 2%”. Acrescente-se que, por ocasião da Lei nº 10.931/2004, que alterou, entre outros, o inciso I do art. 1.336 do CC/2002, houve também proposta de alteração do § 1º, o que, contudo, não ocorreu em razão do veto presidencial. A proposição buscava manter a redação referente aos juros moratórios e dar novos contornos à multa, que passaria a ser progressiva e diária “à taxa de 0,33% por dia de atraso, até o limite estipulado pela Convenção do Condomínio, não podendo ser superior a 10%”. As razões do veto presidencial à referida proposta ressaltam a possibilidade de cobrança dos juros moratórios acima de 1% ao mês, nos seguintes termos: “O novo CC estabeleceu o teto de 2% para as multas condominiais, adequando-as ao já usual em relações de Direito Privado. A opção do CC/2002, diploma legal profundamente discutido no Congresso Nacional, parece-nos a mais acertada, pois as obrigações condominiais devem seguir o padrão das obrigações de Direito Privado. Não há razão para apenar com multa elevada condômino que atrasou o pagamento durante poucas semanas devido a dificuldade financeira momentânea. Ademais, observe-se que o condomínio já tem, na redação em vigor, a opção de aumentar o valor dos juros moratórios como mecanismo de combate a eventual inadimplência causada por má-fé. E neste ponto reside outro problema da alteração: aumenta-se o teto da multa ao mesmo tempo em que se mantém a possibilidade de o condomínio inflar livremente o valor dos juros de mora, abrindo-se as portas para excessos. Por fim, o dispositivo adota fórmula de cálculo da multa excessivamente complexa para condomínios que tenham contabilidade e métodos de cobrança mais precários, o que poderá acarretar tumulto à aplicação rotineira da norma, eliminando pretensas vantagens” (Mensagem nº 461/2004; DOU de 3/8/2004 - sem destaques no original). Essa interpretação converge com a redação do art. 1.336, § 1º, do CC/2002, que limita os juros moratórios ao patamar de 1% ao mês apenas quando a convenção do condomínio é omissa nesse ponto. Dessarte, após o advento do CC/2002, é possível fixar na convenção do condomínio juros moratórios acima de 1% ao mês, em caso de inadimplemento das taxas condominiais. Forte nessas razões, conheço do Recurso Especial e dou-lhe provimento, para permitir a cobrança de juros moratórios previstos na convenção condominial após o advento do CC/2002. É o voto. |