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Jurisprudências

Direito Processual Penal

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Habeas Corpus - Receptação qualificada - Pedidos de liberdade provisória e trancamento da Ação Penal - Prova ilícita e falta de justa causa - Obtenção do número de telefone utilizado pelo paciente que se deu por meio de procedimento de bilhetagem, autorizado de forma genérica pela autoridade impetrada. Incompatibilidade com a ordem constitucional. Ofensa aos direitos ao sigilo de dados e à intimidade. Fundamentação que deve demonstrar a necessidade e a adequação da medida ao caso concreto. Prova ilícita. Teoria dos frutos da árvore envenenada. Desentranhamento. Consequente insubsistência de qualquer elemento que relacione o paciente à prática delitiva. Ordem concedida para trancar a Ação Penal, por ausência de justa causa, com relação ao paciente (TJSP - 16ª Câm. de Direito Criminal; HC nº 990.10.323253-4-Jundiaí-SP; Rel. Des. Almeida Toledo; j. 5/10/2010; v.u.).

 

 

 

  ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes Autos de Habeas Corpus n° 990. 10.323253-4, da Comarca de Jundiaí, em que é paciente L. C. S. H. e impetrante J. B. G. S.

Acordam, em 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: por votação unânime, concederam a Ordem para, uma vez reconhecida a ilicitude dos elementos de convicção que levaram à imputação da prática do Crime de Receptação Qualificada a L. C. S. H., que devem ser desentranhados dos Autos do Processo-Crime de origem, trancar, com relação a ele, por falta de justa causa, a Ação Penal. Expeça-se alvará de soltura.

Sustentou oralmente o Dr. J. B. G. S. e fez uso da palavra o Exmo. Sr. Procurador de Justiça, Dr. Paulo Juricic, de conformidade com o Voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores Almeida Toledo (Presidente), Pedro Menin e Souza Nucci.

São Paulo, 5 de outubro de 2010

Almeida Toledo

Relator

  RELATÓRIO

Trata-se de Habeas Corpus, com pedido de Liminar, impetrado pelo Advogado J. B. G. S. em favor de L. C. S. H., preso, alegando constrangimento ilegal por parte do Juízo de Direito da Vara Única do Foro Distrital de Cajamar da Comarca de Jundiaí, no curso do Processo n° 343/10.

Sustenta, em abreviada síntese, que o paciente está sendo processado pela suposta prática do delito de Receptação Qualificada, tendo sido indeferidos os seus pedidos de relaxamento da prisão em flagrante e de liberdade provisória. Insurge-se o impetrante, basicamente, contra os seguintes aspectos: a) a diferença de tratamento entre o paciente e o corréu A. E. S., o qual foi posto em liberdade; b) a ausência de justa causa para a Ação Penal, tendo em vista que nenhum delito foi cometido por L., que não sabia da origem ilícita do bem apreendido, tampouco que tal carga estivesse depositada em seu veículo; c) o fato de ter sido possível chegar ao paciente por meio ilícito, qual seja a bilhetagem, devendo, portanto, ser reconhecida a nulidade da Ação Penal; d) o indeferimento de seu pedido de liberdade provisória, não obstante seja o paciente réu primário e com família constituída, residência fixa e ocupação lícita.

A Liminar foi indeferida (fls. 92-93).

Prestadas as informações pela autoridade impetrada (fls. 98-99), instruídas com os documentos de fls. 115/121, a D. Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pela denegação da Ordem (fls. 102/106).

A fls. 127-128, foram complementadas pelo Juízo apontado como coator as informações fornecidas, não instruídas, todavia, com cópia da decisão que autorizou a autoridade policial a realizar a bilhetagem das linhas telefônicas. Por esse motivo, foi reiterada a requisição de complementação das informações por este Relator, via fac-símile, tendo sido feita expressa menção à necessidade de que fosse enviada a esta Corte a r. decisão (fls. 130). Não obstante, mais uma vez, a autoridade impetrada deixou de encaminhar as cópias requisitadas, enviando apenas decisão em que esclarece a uma operadora de telefonia móvel o motivo pelo qual entende acertada a autorização concedida (fls. 132/134).

Apresentou o impetrante pedido de reconsideração da decisão que indeferiu a Liminar (fls. 123-124), pleito esse que, todavia, resta prejudicado ante a análise do mérito.

É o relatório.

  VOTO

É caso de concessão.

Da análise dos elementos de convicção carreados aos Autos, verifica-se que policiais civis, após terem recebido a notícia da ocorrência de Crime de Roubo de Carga, encetavam diligências a fim de localizar os seus autores, quando surpreenderam os acusados T. S. S. e E. J. S. J. em poder de automóvel de características semelhantes àquele utilizado para a perpetração do delito. Encontraram no interior do veículo objetos que sugeriam terem sido os 2 os autores do roubo e, por isso, consultaram os registros constantes de seus telefones celulares, verificando haver chamadas recentes de um tal de L., posteriormente identificado como L. H. P., suspeito de ter participado do crime. Os investigadores, então, procederam à bilhetagem (a bilhetagem consiste, ao que consta de acórdão do TJPR colacionado pelo impetrante a fls. 10, “na emissão de um relatório ou listagem contendo todas as ligações feitas pelo usuário num determinado período de tempo, contendo: os números dos terminais para os quais foram feitas e dos quais foram recebidas ligações, a data, o horário e a duração da chamada”) de seu número de telefone e, assim, obtiveram a informação de que ele havia feito ligações ao paciente, que é proprietário de um açougue. Por isso, os policiais foram até o estabelecimento comercial de L. e encontraram, no interior de um veículo de sua propriedade, a carga de charque roubada, motivo por que lhe proferiram voz de prisão em flagrante delito.

Verifica-se, portanto, que só foi possível a aferição da suposta participação do paciente na empreitada criminosa por meio do procedimento de bilhetagem do número do corréu L. H. P., que foi, segundo informações fornecidas pelo próprio Juízo impetrado, “autorizado de modo genérico à autoridade policial, em procedimento autuado em apartado junto à Corregedoria Permanente” (fls. 127), o que se confirma pelo teor da decisão acostada a fls. 132/134, de que se depreende, ainda, que a senha foi cedida à Polícia “pelo prazo de 1 ano, com a apresentação de relatórios bimestrais de seu uso, que deverão ser juntados dos Autos da Corregedoria” (grifo nosso).

Tal procedimento, todavia, é flagrantemente atentatório aos direitos fundamentais, em especial àqueles previstos nos incisos X e XII do art. 5º da CF.

Com efeito, são asseguradas constitucionalmente a intimidade e o “sigilo das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal” e, no caso, embora, de fato, como ressaltou a autoridade impetrada, reste incólume o sigilo das telecomunicações, pois não tiveram os investigadores acesso ao conteúdo das conversas mantidas pelos acusados, há clara ofensa ao sigilo de dados, também protegido pela CF e reconhecido como direito fundamental. Por esse motivo, sua mitigação, embora possível, pois não há direito absoluto, só é aceita se determinada por decisão judicial fundamentada, que demonstre a necessidade da medida e sua adequação ao caso concreto, dada a impossibilidade de obtenção da informação por meio menos gravoso.

O controle jurisdicional sobre a possibilidade de quebra de sigilo de dados deve, portanto, em razão da própria lógica constitucional e da sistemática dos direitos fundamentais, ser prévio à sua realização, pois tem como objetivo primordial evitar a ocorrência de lesão ao interesse tutelado, e não reparar o dano ocasionado pelo ato cuja ilicitude venha a ser posteriormente reconhecida, como ocorre no caso em tela, em que, somente após a quebra do sigilo, devem ser elaborados relatórios dirigidos à Corregedoria.

Deve, ainda, se dar em observância às peculiaridades do caso, com a especificação das pessoas que podem ser afetadas pela medida, pois o objetivo da positivação de tais direitos é, justamente, garantir a sua observância pelo Estado e, assim, impor limites claros à sua atuação, em especial à do Executivo, mostrando-se, portanto, inadmissível que, por meio de decisão judicial, se estabeleça o contrário, dando o Judiciário carta branca ao órgão a cuja atuação ele é imbuído justamente do dever de impor limites.

Evidente, dessa forma, a incompatibilidade com a ordem constitucional dos fundamentos da decisão que autorizou, de forma genérica e apriorística, a realização de bilhetagens pela Polícia Civil, havendo, inclusive, no mesmo sentido, decisão desta Eg. Corte:

Habeas Corpus. Autorização judicial. Concessão à autoridade policial.Quebra de sigilo dos dados cadastrais de usuários de telefonia móvel. Ordem judicial que determinou ao paciente, na qualidade de gerente da operadora de telefonia celular (...), fornecimento da senha de acesso irrestrito dos dados cadastrais de usuários, bem como histórico de chamadas (bilhetagem), levantamento de chamadas através de ERBs (Estações Rádio Base) e Imevs, pelo prazo de 60 dias. Exigibilidade do cumprimento da determinação. Constrangimento ilegal. Ocorrência. Autorização judicial genérica. Excepcionalidade da medida que exige fundamentação suficiente e idônea para legitimar sua utilização. Necessidade de justa causa específica. Indispensável a individualização dos destinatários da quebra de sigilo, objeto das investigações policiais. A quebra do sigilo das comunicações abrangendo os dados cadastrais somente poderá ser autorizada pelo Juiz em despacho fundamentado e em cada caso concreto, presentes elementos que justifiquem a medida. Inconstitucionalidade do ato judicial. Violação das garantias constitucionais da intimidade e da privacidade, previstas no art. 5º, incisos X e XI, da CF c.c. arts. 3º, inciso IX, e 72, § 2º, ambos da Lei n° 9.472/1997 (Lei das Telecomunicações). Ordem concedida” (HC nº 990.10.117421-9, 4ª Câm. de Direito Criminal, Rel. Des. Salles Abreu, j. 29/6/2010, v.u.).

Desse modo, uma vez que a obtenção da lista de chamadas realizadas e recebidas pelo acusado L. H. em seu celular se deu com base em procedimento não autorizado pela ordem jurídico-constitucional, em que pese escorado em ordem judicial, não resta outra saída que não reconhecer a sua ilicitude, e, consequentemente, em observância à teoria dos frutos da árvore envenenada, também a de todos os elementos de convicção obtidos exclusivamente por seu intermédio e aos quais não se poderia ter acesso com base apenas no restante das peças de informação acostadas aos Autos, quais sejam a obtenção do número de telefone do pai do paciente e, por conseguinte, a apreensão da carga roubada sob seu poder e sua prisão em flagrante, os quais devem ser desentranhados dos Autos do Processo-Crime de origem, nos termos do art. 157, caput e §§, do CPP.

E, sendo assim, uma vez reconhecida a ilicitude dos indícios obtidos pelos investigadores - em especial, da identificação do número da linha de titularidade do pai do paciente, que ensejou o comparecimento dos policiais ao seu local de trabalho e, em seguida, a localização da carga roubada no interior de um veículo de sua propriedade -, que devem ser, portanto, extirpados dos Autos, verifica-se que não subsiste nenhum elemento que relacione L. C. à prática criminosa, impondo-se, assim, o trancamento da Ação Penal em relação a ele, por ausência de justa causa.

Isto posto, pelo meu voto, concedo a Ordem impetrada para, uma vez reconhecida a ilicitude dos elementos de convicção que levaram à imputação da prática do Crime de Receptação qualificada a L. C. S. H., que devem ser desentranhados dos Autos do Processo-Crime de origem, trancar, com relação a ele, por falta de justa causa, a Ação Penal.

Expeça-se alvará de soltura.

Almeida Toledo

Relator

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