ACÓRDÃO
Acorda, em Turma, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o Relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em dar provimento.
Belo Horizonte, 26 de fevereiro de 2009
Maria Elza
Relatora
RELATÓRIO
A Sra. Desembargadora Maria Elza: trata-se de Recurso de Agravo de Instrumento, com Pedido de Efeito Suspensivo, interposto por ... contra decisão interlocutória prolatada pelo Juízo da 1ª Vara de Sucessões da Comarca de Belo Horizonte que, em sede de Ação de Alvará Judicial, deferiu a expedição do mesmo para o levantamento integral dos numerários em favor de ... .
Aduz o agravante a fls. 02/10 - TJ - que a decisão recorrida causa-lhe grave prejuízo, visto que possui direito sobre parte do numerário, razão pela qual assinala que a recorrida não pode levantar a totalidade dos valores.
Efeito suspensivo concedido a fls. 416-417 - TJ.
Não foi apresentada contraminuta ao presente Recurso conforme Certidão de fls. 423 - TJ.
VOTO
Este o breve relato do necessário, passa-se a decidir.
Presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conhece-se do Recurso interposto.
Conforme relatado, busca o recorrente a reforma da decisão do Juízo a quo que, em sede de Ação de Alvará Judicial, deferiu a expedição do mesmo para o levantamento integral dos numerários em favor da agravada. Alega que convivia em União Estável Homoafetiva com o filho da agravada, fato que lhe garante direito sobre o patrimônio deixado, a título de sucessão.
Segundo se extrai da documentação acostada aos Autos a fls. 391/402 - TJ -, a União Homoafetiva entre o agravante e o agravado fora reconhecida pelo Poder Judiciário do Espírito Santo em 1ª Instância, o que, a princípio, assegura o direito do agravante de participar da partilha dos bens deixados pelo filho da agravada.
A Constituição da República, especificamente em seu art. 226, consagra uma concepção aberta de família, a qual deve ser apurada mediante as peculiaridades de cada caso concreto.
Nesse campo, adotando-se uma interpretação sistemática, não se pode olvidar que o conceito de família expresso na Constituição encontra-se atrelado aos direitos e garantias fundamentais e, claro, ao princípio maior da Dignidade da Pessoa Humana. Assim, afigura-se inconcebível admitir que a Constituição tenha adotado determinados modelos familiares em detrimento de outros, com base em determinados aspectos que não propriamente o afeto.
Ademais, mormente por ser a concepção de família uma realidade sociológica que transcende o Direito, não há como a restringir a formas predefinidas ou modelos fechados, sendo, pois, absolutamente plural.
A esse respeito, transcreve-se, ainda, lição de MARIA CELINA BODIN DE MORAES, que, tratando especificamente da União Homoafetiva, traz ensinamentos valiosos para o caso em tela:
“A proteção jurídica que era dispensada com exclusividade à ‘forma’ familiar (pense-se no ato formal do casamento) foi substituída, em consequência, pela tutela jurídica atualmente atribuída ao ‘conteúdo’ ou à substância: o que se deseja ressaltar é que a relação estará protegida não em decorrência de possuir esta ou aquela estrutura, mesmo se e quando prevista constitucionalmente, mas em virtude da função que desempenha - isto é, como espaço de troca de afetos, assistência moral e material, auxílio mútuo, companheirismo ou convivência entre pessoas humanas, quer sejam do mesmo sexo, quer sejam de sexos diferentes.
Se a família, através de adequada interpretação dos dispositivos constitucionais, passa a ser entendida principalmente como ‘instrumento’, não há como se recusar tutela a outras formas de vínculos afetivos que, embora não previstos expressamente pelo legislador constituinte, se encontram identificados com a mesma ratio, com os mesmos fundamentos e com a mesma função. Mais do que isto: a admissibilidade de outras formas de entidades ‘familiares’ torna-se obrigatória quando se considera seja a proibição de qualquer outra forma de discriminação entre as pessoas, especialmente aquela decorrente de sua orientação sexual - a qual se configura como direito personalíssimo -, seja a razão maior de que o legislador constituinte se mostrou profundamente compromissado com a Dignidade da Pessoa Humana (art. 1º, inciso II, CF), tutelando-a onde quer que sua personalidade melhor se desenvolva. De fato, a Constituição brasileira, assim como a italiana, inspirou-se no Princípio Solidarista, sobre o qual funda a estrutura da República, significando dizer que a dignidade da pessoa é preexistente e a antecedente a qualquer outra forma de organização social.” (A União entre Pessoas do Mesmo Sexo: Uma Análise sob a Perspectiva Civil-Constitucional - In RTDC, vol. 1, pp. 89/112).
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Destarte, tem-se que plenamente cabível o reconhecimento da União Estável. No mesmo sentido, o posicionamento do STJ:
“Processo Civil. Ação Declaratória de União Homoafetiva. Princípio da Identidade Física do Juiz. Ofensa não caracterizada ao art. 132 do CPC. Possibilidade jurídica do pedido. Art. 1º da Lei nº 9.278/1996, arts. 1.723 e 1.724 do CC. Alegação de lacuna legislativa. Possibilidade de emprego da analogia como método integrativo. 1 - Não há ofensa ao Princípio da Identidade Física do Juiz, se a Magistrada que presidiu a colheita antecipada das provas estava em gozo de férias, quando da prolação da sentença, máxime porque diferentes os pedidos contidos nas Ações Principal e Cautelar. 2 - O entendimento assente nesta Corte, quanto à possibilidade jurídica do pedido, corresponde à inexistência de vedação explícita no ordenamento jurídico para o ajuizamento da demanda proposta. 3 - A despeito da controvérsia em relação à matéria de fundo, o fato é que, para a hipótese em apreço, onde se pretende a declaração de União Homoafetiva, não existe vedação legal para o prosseguimento do feito. 4 - Os dispositivos legais limitam-se a estabelecer a possibilidade de União Estável entre homem e mulher, desde que preencham as condições impostas pela lei, quais sejam, convivência pública, duradoura e contínua, sem, contudo, proibir a união entre 2 homens ou 2 mulheres. Poderia o legislador, caso desejasse, utilizar expressão restritiva, de modo a impedir que a união entre pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída da abrangência legal. Contudo, assim não procedeu. 5 - É possível, portanto, que o Magistrado de 1º Grau entenda existir lacuna legislativa, uma vez que a matéria, conquanto derive de situação fática conhecida de todos, ainda não foi expressamente regulada. 6 - Ao julgador é vedado eximir-se de prestar jurisdição sob o argumento de ausência de previsão legal. Admite-se, se for o caso, a integração mediante o uso da analogia, a fim de alcançar casos não expressamente contemplados, mas cuja essência coincida com outros tratados pelo legislador. 7 - Recurso Especial conhecido e provido” (REsp nº 820475-RJ; Rel. Min.; REsp 820475-RJ; 4ª T.; j. 2/9/2008; DJe de 6/10/2008).
No caso vertente, conforme já fundamentado, restou, a princípio, configurada a União Estável. A respeito dos efeitos patrimoniais da União Estável, dispõe a Lei nº 9.279/1996 que os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes na constância da União Estável e a título oneroso são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, sendo, portanto, de propriedade de ambos os conviventes em condomínio e em partes iguais.
Destarte, a partir da norma supracitada, tem-se que, em regra, impera a presunção de condomínio dos bens adquiridos na constância da União Estável. No mesmo sentido, o posicionamento do STJ:
“Direito de Família. União Estável. Configuração. Coabitação. Elemento não essencial. Sociedade de fato. Ausência de prova de colaboração para a aquisição dos bens em nome do de cujus. Não configuração da sociedade de fato. União Estável. Presunção de mútua colaboração para formação do patrimônio. Direito à partilha. O art. 1º da Lei nº 9.278/1996 não enumera a coabitação como elemento indispensável à caracterização da União Estável. Ainda que seja dado relevante para se determinar a intenção de construir uma família, não se trata de requisito essencial, devendo a análise centrar-se na conjunção de fatores presente em cada hipótese, como a affectio societatis familiar, a participação de esforços, a posse do estado de casado, a fidelidade, a continuidade da união, entre outros, nos quais se inclui a habitação comum. A ausência de prova da efetiva colaboração da convivente para a aquisição dos bens em nome do falecido é suficiente apenas para afastar eventual sociedade de fato, permanecendo a necessidade de se definir a existência ou não da União Estável, pois, sendo esta confirmada, haverá presunção de mútua colaboração na formação do patrimônio do de cujus e consequente direito à partilha, nos termos do art. 5º da Lei nº 9.278/1996. Recurso Especial conhecido e provido” (REsp nº 275839-SP; Rel. Des. Ari Pargendler; 3ª T.; j. 2/10/2008; DJe de 23/10/2008).
Nestes termos tem-se como relevante a fundamentação do Recurso, pois a expedição de alvará, nos moldes em que foi determinada, poderá causar sério e irreparável prejuízo ao recorrente, visto que não foi resguardado o termo de reserva de 1/3 do montante do patrimônio a que o agravante, em princípio, faz jus.
Diante do exposto, com respaldo no Princípio da Obrigatoriedade da Fundamentação dos Atos Jurisdicionais (art. 93, inciso XI, da Constituição brasileira), no Princípio do Livre Convencimento Motivado (art. 131 do CPC), além da legislação invocada no corpo deste Voto, dá-se provimento ao Agravo de Instrumento interposto.
Custas ex lege.
Votaram de acordo com os Relatores e Desembargadores: Nepomuceno Silva e Mauro Soares de Freitas.
Súmula: deram provimento.
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