DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Apelação Cível - Ação de Resolução de Contrato de Promessa de Compra e Venda, c.c. Ação de Reintegração de Posse e Indenização por Perdas e Danos - Denunciação à lide - Não cabimento - Agravo Retido desprovido - Reintegração de posse viável - Consequência da procedência da Ação de Resolução Contratual - Impossibilidade de retenção de acessão - Indenização - Exceção de Contrato não Cumprido não caracterizado - 1 - Agravo Retido: Intervenção de terceiros. Denunciação à lide. Não é caso de denunciação à lide, uma vez que não está presente nenhuma hipótese do art. 70 do CPC. O inadimplemento que gerou a lide em tela diz respeito ao período em que o recorrente já se encontrava na posse do imóvel. Assim, não há que se falar em direito de regresso e, consequentemente, em denunciação à lide. 2 - Reintegração de Posse: A reintegração de posse é corolário lógico da resolução do contrato de promessa de compra e venda. Ademais, restaram satisfeitos os requisitos do art. 927 do CPC (posse da autora e esbulho do réu). 3 - Direito de Retenção: Não se confundem os conceitos de acessão e de benfeitoria. A edificação de uma casa, por se tratar de construção nova, realizada ao exclusivo interesse e arbítrio do recorrente, qualifica-se como acessão industrial, que não admite retenção em nosso ordenamento jurídico. Contudo, é possível indenização, no caso de acessões, pois encontra amparo na vedação do enriquecimento sem causa. Ainda que não se discuta posse de boa-fé no âmbito de ações possessórias, o fato é que, quando da construção da acessão, ainda não estava caracterizada a causa de rescisão do contrato, inexistindo, à época, o esbulho possessório decorrente do inadimplemento contratual, constituído o contratante em mora via notificação, marco inicial para o desfazimento da avença e o exame das consequências jurídicas daí decorrentes. Valor a ser apurado em liquidação de sentença, por arbitramento. 4 - Exceção de Contrato Não Cumprido: Eventual atraso no cumprimento das obrigações da apelada deveria ter sido resolvido via ação cominatória, não podendo ser uma permissão para o inadimplemento. 5 - Perdas e Danos: Levando-se em consideração o largo período em que o apelante residiu no terreno sem a devida contraprestação, não há abuso na fixação de perdas e danos no montante de 20% sobre o valor já pago. Apelação parcialmente provida (TJRS - 17ª Câm. Cível; ACi nº 70030931471-Alvorada-RS; Rel. Des. Elaine Harzheim Macedo; j. 20/8/2009; v.u.). |
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ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os Autos. Acordam os Desembargadores integrantes da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento ao Apelo. Custas na forma da lei. Participaram do julgamento, além da signatária (Presidente), os Ems. Srs. Desembargadores Pedro Luiz Rodrigues Bossle e Bernadete Coutinho Friedrich. Porto Alegre, 20 de agosto de 2009 Elaine Harzheim Macedo Relatora RELATÓRIO Desembargadora Elaine Harzheim Macedo (Relatora): S. E. C. Ltda. ingressou com Ação de Resolução Contratual c.c. Reintegração de Posse e Indenização por Perdas e Danos, contra L. C. C. F. e/ou D. O., informando que a autora firmou com o réu Contrato de Promessa de Compra e Venda, referente ao lote nº..., da ..., do ... ... ... ..., em 24/8/1996. Em 10/9/1999, houve um refinanciamento do valor devido. Alegou que o réu é devedor de 70 parcelas, estando inadimplente desde 10/8/2001, tendo sido notificado para adimplir com sua obrigação em 25/5/2007, quedando-se inerte. Aduziu que a Cláusula 10 do Contrato autoriza a rescisão contratual quando constituído em mora o devedor. Juntou documentos (fls. 07/32). Em Contestação (fls. 39/48), o réu requereu a denunciação à lide de N. M. S., por ter adquirido desta os direitos contratuais acerca do imóvel em debate, o que contou com a anuência da autora. O contestante declinou, ainda, em preliminar, que a autora não comprovou ter remetido os avisos de cobrança. No mérito, alegou que quitou mais de 36 parcelas e realizou diversas benfeitorias, possuindo direito de retenção por ser possuidor de boa-fé. Salientou a ocorrência de “exceção de contrato não cumprido”, não podendo a autora exigir o cumprimento da obrigação se ela própria não cumpriu com a sua. Pugnou pela aplicação do CDC. Juntou documentos (fls. 49/73). Indeferida a denunciação à lide (fls. 74). Dessa decisão, o réu interpôs Agravo Retido (fls. 75/78), que foi contrarrazoado (fls. 90/92). Houve réplica (fls. 81/89). Realizada audiência de instrução para oitiva de testemunhas (fls. 104/106). Na sentença (fls. 107-108-v), o Magistrado prolator julgou parcialmente procedente, resolvendo o Contrato de Promessa de Compra e Venda, consolidando a posse imóvel com a autora, determinando o reembolso das prestações pagas ao réu, com decaimento por perdas e danos e ocupação em 20%, podendo o demandado levantar as acessões e benfeitorias. Condenou o réu ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, restando suspensa a exigibilidade em razão da concessão do benefício da Assistência Judiciária Gratuita. Opostos Embargos de Declaração pela autora (fls. 111-112), foram acolhidos para permitir a compensação do valor do IPTU, quando comprovado o recolhimento (fls. 113). O réu interpôs Apelação (fls. 115/120), requerendo, em preliminar, a apreciação do Agravo Retido. No mérito, disse que a autora não comprovou satisfazer os requisitos do art. 927 do CPC, a fim de permitir a reintegração de posse. Alegou que tem direito à retenção por benfeitorias, que são de alvenaria, ou à indenização pelas mesmas. Aduziu que a demandante não cumpriu com sua parte no contrato, não podendo exigir o cumprimento por parte do apelante. Requereu a devolução integral das parcelas já pagas. Com as contrarrazões (fls. 128/139), subiram os Autos. Registre-se que foi observado o disposto nos arts. 549, 551 e 552 do CPC, tendo em vista a adoção do sistema informatizado. É o relatório. VOTO Desembargadora Elaine Harzheim Macedo (Relatora): inicialmente, no que diz respeito ao Agravo Retido, mostra-se correta a decisão agravada, que indeferiu a denunciação à lide de N. M. S., cedente dos direitos contratuais ao apelante, porquanto não está presente nenhuma das hipóteses do art. 70 do CPC. Ocorre que, após a cessão de transferência dos direitos contratuais (fls. 25-26), a cedente N. desvinculou-se das obrigações oriundas do Contrato, tendo o cessionário as assumido. Corroborando essa conclusão está o fato de que a cessão foi firmada em 1999, tendo o cessionário, ora apelante, continuado a realizar os pagamentos, em nome próprio, até julho/2001. O inadimplemento que gerou a lide em tela diz respeito ao período em que o recorrente já se encontrava na posse do imóvel. Assim, não há que se falar em direito de regresso e, consequentemente, em denunciação à lide. |
Por tais fundamentos, nega-se provimento ao Agravo Retido. Quanto ao mérito, no que diz com a impossibilidade de reintegração de posse, ante a alegada ausência dos requisitos do art. 927 do CPC, observa-se que não prevalece a tese. A uma, a reintegração de posse é corolário lógico da resolução do contrato, tendo em vista a necessidade de devolução do bem. Registre-se, nesse sentido, que, se o ora recorrente obteve a posse do bem negociado, isso só aconteceu porque a alienante, ora apelada, detinha essa posse, irrelevante que a transferência de posse tenha acontecido no passado mais remoto, até porque o Contrato previa o pagamento da aquisição do bem em longas prestações. E é por isso que, independentemente da consequência natural da procedência do pedido, os requisitos restaram satisfeitos. A posse foi demonstrada com a juntada do Contrato Primitivo de Promessa de Compra e Venda (fls. 19/22), no qual a apelada figurou como promitente vendedora e transferida a posse à 1ª promitente compradora. Insiste-se, só transfere posse quem detém posse. O esbulho, por sua vez, deu-se com o não atendimento, pelo apelante, da notificação que atestou o inadimplemento (fls. 28). No que tange ao Pedido de Retenção das Benfeitorias, algumas considerações devem ser feitas. O apelante construiu no terreno uma casa, conforme relatou a testemunha L. H. M. C. (fls. 105-v): “O autor construiu então uma outra casa, também de alvenaria, nos fundos do lote. Colocou ainda aterro e fez muros. Recorda que o autor foi quem edificou a casa referida”. A casa, por se tratar de construção nova, realizada ao exclusivo interesse e arbítrio do recorrente, qualifica-se como acessão industrial. Em sendo uma construção que implicou a produção de coisa nova, a distanciar-se do conceito de benfeitorias, como destacado na sentença, que constituem meras “obras ou despesas feitas pelo homem na coisa, com o intuito de conservá-la, melhorá-la ou embelezá-la”, enquanto que acessão é “a aquisição de uma coisa nova pelo proprietário dela”, conforme palavras de MARIA HELENA DINIZ (Código Civil Anotado, 1995, p. 73-74), que, após dissertar sobre ambas as figuras, concluiu com precisão doutrinária: “... na acessão, a boa-fé é elemento imprescindível para que haja indenização; na benfeitoria, ela é irrelevante, quando se tratar de benfeitoria necessária. Na benfeitoria há, até certo ponto, uma característica de gestão de negócio, onde se faz presente o Princípio da Solidariedade Humana e do Não Locupletamento. Na acessão, o possuidor visa tão somente ao seu próprio interesse, sem se preocupar com o do proprietário. O art. 1.219 do CC admite a retenção para as benfeitorias necessárias ou úteis, tendo por fundamento a posse jurídica. Nada há em nosso ordenamento jurídico que permita o direito de retenção por acessões, em razão do direito de ressarcimento. Na acessão o proprietário do imóvel paga o justo valor dos materiais e da mão de obra, e na benfeitoria é lícito ao proprietário optar entre o valor atual e o seu custo. Não parece possível concluir que a lei não distinga as benfeitorias das acessões”, tudo conforme citação no promissor trabalho monográfico de autoria de GUSTAVO BURGOS DE OLIVEIRA, intitulado Benfeitorias e Direito de Retenção, publicado pela Juruá, 2001, p. 23-24, que culmina por enquadrar o tipo de obra que aqui se cuida em acessão industrial, exatamente porque deriva do trabalho do homem. (grifou-se). A indenização, no caso de acessões, encontra amparo no princípio de Direito que veda o enriquecimento sem causa. De qualquer sorte, ainda poderia sustentar o pedido indenizatório o fato de que a situação do demandado, à época da construção, não poderia ser tida, ainda, como esbulho, a justificar, até, naquele período, a posse de boa-fé. Dizendo de outra forma, embora posse que esbulha e que gera procedência de ação de reintegração não possa ser tida, obviamente, como posse de boa-fé, no caso concreto, em que a construção foi feita em momento pretérito, o argumento reforça o direito de o demandado ser indenizado, até porque o termo inicial do esbulho se deu com a notificação de fls. 28, o que ocorreu em 2007. O fato de a edificação ser de alvenaria, conforme relato unânime das testemunhas (fls. 105-106), enseja, com maior certeza, a possibilidade de indenização, em vez do direito de levantamento, merecendo reparo, nesse ponto, a sentença. O apelante tem, portanto, o direito a ser indenizado quanto à edificação existente sobre o terreno, o que irá se apurar em liquidação por arbitramento, quando perito verificará o valor da construção, reiterando, porém, que o direito de indenização não leva, como visto acima, a direito de retenção. Não merece guarida, por outro lado, a alegada exceção de contrato não cumprido, até mesmo porque inexiste qualquer prova nesse sentido, não passando do campo das meras alegações. Ademais, as obrigações da apelada quanto à infraestrutura do loteamento deveriam ter sido resolvidas via ação cominatória, de obrigação de fazer, não podendo servir de base para permitir o inadimplemento. Quanto à devolução integral das parcelas pagas, mostra-se inviável, levando-se em consideração o tempo de inadimplemento, que, à época do ingresso da Ação, aproximava-se dos 6 anos, período este em que o apelante residiu sem qualquer contraprestação à apelada. Desta forma, entende-se correta a determinação de devolução de, tão somente, 80% do montante já pago, não se alterando esse valor base no princípio recursal de que é vedada a reformatio in peius. Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao Apelo, condenando-se a autora ao pagamento de indenização pela acessão, tendo por objeto tão somente a casa de alvenaria construída no passado, cujo montante deverá ser apurado em liquidação de sentença, por arbitramento, mantida a sucumbência. Desembargador Pedro Luiz Rodrigues Bossle (Revisor): de acordo. Desembargadora Bernadete Coutinho Friedrich: de acordo. Desembargadora Elaine Harzheim Macedo (Presidente) - Apelação Cível nº 70030931471, Comarca de Alvorada: “deram parcial provimento. Unânime.” Julgador de 1º Grau: Juliano da Costa Stumpf. |