ACÓRDÃO
Acorda, em Turma, a 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o Relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em dar provimento.
Belo Horizonte, 16 de abril de 2009
Nicolau Masselli
Relator
Produziu sustentação oral, pela apelante, na sessão do dia 26/3/2009, o Dr. B. B. M.
RELATÓRIO
O Sr. Desembargador Nicolau Masselli: conheço do Recurso porquanto presentes os requisitos de sua admissibilidade.
Trata-se de Ação Ordinária por Violação de Desenho Industrial, Concorrência Desleal e Indenização, aforada por G. S. A., ora recorrente, em face de E. C. E. Ltda., ora recorrida, na qual pleiteia que a ré se abstenha da comercialização dos calçados denunciados na Exordial, que reproduzem registros de desenhos industriais pertencentes à autora, bem como indenização por perdas e danos como meio de compensar os prejuízos sofridos.
Sustenta a autora que a ré está comercializando produtos contrafeitos com características idênticas às criações industriais e calçados registrados como desenho industrial de sua exclusiva propriedade, configurando, assim, a prática de atos de concorrência desleal e aproveitamento parasitário da fama e conceito do produto alheio.
Sobreveio a sentença nas fls. 269/271, na qual o Magistrado de 1º Grau julgou improcedente o pedido formulado, por entender que não restou comprovada a prática de contrafação, que exige a realização de perícia técnica, a fim de demonstrar a utilização dos recursos de padronagem nos exemplares tidos como contrafeitos.
Inconformada, apresentou a apelante, G. S.A., Recurso nas fls. 278-279, alegando que a contrafação aos desenhos industriais da autora/apelante está cabalmente demonstrada, sendo prescindível para tanto a perícia técnica, tendo em vista que o exame visual entre os produtos da ré para com os originais da autora mostra-se suficiente para identificar as reproduções de todas as características de forma plástica e apresentação ornamental nos designs dos calçados.
Continuando, afirma que em nenhum momento requereu a produção de prova técnica para fins de comprovação da contrafação, mas tão somente de prova contábil para verificação dos lucros auferidos indevidamente pela ré com a prática ilícita.
Por esses motivos, requer a reforma da sentença, a fim de que seja reconhecida a violação aos desenhos industriais da autora/apelante, condenando a ré ao pagamento de indenização por perdas e danos.
Contrarrazões recursais, a fls. 295/298.
Passo à análise das razões recursais.
VOTOS
A Constituição da República assegura aos autores de inventos industriais a proteção às suas criações, bem como o privilégio temporário para sua utilização, consoante prescreve o art. 5º, inciso XXIX, da CF.
A propriedade de desenho industrial confere ainda ao seu titular, nos termos do art. 42 da Lei nº 9.279/1996, o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar com esses propósitos o produto objeto da patente.
No presente caso, sustenta a autora, ora apelante, que a ré vem praticando concorrência desleal e parasitária, na medida em que está comercializando calçados utilizando-se de desenhos industriais de criação e propriedade exclusiva da autora, o que restou devidamente comprovado nos Autos.
Através da análise dos Autos, verifica-se que existem elementos suficientes capazes de comprovar a comercialização dos aludidos calçados pela ré, conforme se infere dos documentos acostados nas fls. 140/143, que demonstram o anúncio dos produtos em site da Internet, denominado B.
Além disso, denota-se do Auto de Busca e Apreensão juntado aos Autos nas fls. 194 que foram encontrados na posse da ré exemplares das sandálias ... “...”, ... “...”, “...”, ... e ... ... ... .
Conforme bem ressaltou o Magistrado de 1º Grau, apesar das afirmações da ré de que apenas atua como simples intermediária entre empresários atacadistas locais e os compradores estrangeiros, consta da cópia de seu contrato social que também exerce atividade de comercialização de calçados, o que é corroborado pelas provas constantes dos Autos.
Não obstante, a comprovação da titularidade da autora sobre os desenhos industriais suscitados na Exordial e da comercialização por parte da ré de calçados com designs similares, entendeu o Il. Juiz a quo que seria indispensável a realização de perícia técnica para que fosse comprovada a utilização dos recursos de padronagem nos exemplares tidos como contrafeitos.
Nesse sentido, ressaltou o Juiz primevo que a autora teria requerido a produção da prova pericial no intuito de se averiguar a prática da contrafação, a qual foi deferida, mas, posteriormente, desistiu da prova, ao pugnar pelo julgamento antecipado da lide.
Dessa forma, concluiu o Magistrado que os documentos acostados aos Autos não eram capazes de comprovar a prática da contrafação, não restando, portanto, cabalmente demonstrado nos Autos o ato ilícito praticado pela ré. Por esse motivo, julgou improcedente o pedido formulado.
Inicialmente, verifico que se equivocou o Juiz a quo quando afirmou que a autora desistiu da prova técnica para comprovação da prática da contrafação, tendo em vista que a autora, na verdade, apenas pleiteou produção de prova pericial contábil, para apuração dos prejuízos advindos da conduta ilícita praticada pela ré, haja vista que a contrafação já estaria evidente diante da documentação trazida ao feito.
Com a devida vênia, entendo que a perícia técnica não é necessária no presente caso para a constatação da existência de contrafação ao desenho industrial da autora, pois os modelos de calçado comercializados pela ré são absolutamente similares aos modelos “...” (Doc. 3), “...” (Doc. 4), “...” (Doc. 7), ... (Doc. 9) e “...” (Doc. 12), o que pode ser constatado icto oculi.
Tenho comigo que a conduta comercial que objetiva a utilização de denominação e design semelhantes a outro produto já existente no mercado, de modo a confundir o consumidor a imaginar que ambos provêm de um mesmo fabricante, é suficiente para violar direitos inerentes a desenho industrial regularmente registrado, sendo prescindível nesses casos a realização de perícia técnica.
Além do pedido de abstenção de comercialização dos produtos descritos na Exordial, verifico que a autora pleiteou indenização por perdas e danos.
No que tange às perdas e danos requeridas, apesar de já ter me posicionado em sentido diverso, analisando melhor a questão, entendo que tal prejuízo é presumido.
|
|
É inegável que, reproduzindo ou imitando a marca legítima da apelante, a contrafatora comercializou seus produtos, auferindo lucros sobre a clientela alheia, desfalcando assim o montante das vendas que poderiam ter sido realizadas pela proprietária da marca.
Nesse sentido:
“As perdas e danos, nos casos de uso indevido de marca, decorrem do próprio ato ilícito praticado pela ré” (REsp nº 101.118-PR; 4ª T.; STJ; Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira; j. 2/3/2000).
Portanto, sendo presumido o prejuízo, o Recurso merece provimento também no que tange à condenação de indenização por perdas e danos, que deverá ser apurada em fase de liquidação de sentença.
Com estas considerações, dou provimento ao Recurso para reformar a r. sentença recorrida e, de consequência, julgar procedente o pedido Exordial, determinando que a ré se abstenha de fabricar e comercializar os calçados descritos na Exordial, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 em caso de transgressão. Condeno-a, ainda, ao pagamento de indenização por perdas e danos, a ser apurada em liquidação de sentença por arbitramento. Diante da procedência do pedido formulado na Exordial, fica invertido o ônus da sucumbência.
Custas recursais pela apelada.
É como voto.
O Sr. Desembargador Alberto Henrique:
Sr. Presidente, Sr. Relator.
Ocorrendo a contrafação, como aqui se constatou de maneira indiscutível, os danos materiais daí advindos são patentes, devendo apenas o quantum ser apurado em liquidação de sentença.
A Lei nº 9.279/1996 prescreve, em seu art. 209, que:
“Fica ressalvado ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio.”
À vista do citado dispositivo legal, infere-se que, havendo violação ao direito de propriedade industrial lato sensu, faculta-se ao prejudicado a persecução judicial das perdas e danos sofridos em virtude de tal ato.
Atualmente, o Eg. STJ adota o posicionamento segundo o qual a condenação do falsificador independe inclusive da efetiva comercialização do produto, bastando que reste provada a contrafação, como aqui ocorreu (REsp nº 466.761-RJ).
A propósito: “As perdas e danos, nos casos de uso indevido da marca, decorrem do próprio ato ilícito praticado pela ré” (REsp nº 101.118-PR, 4ª T.; Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira; DJU de 11/9/2000; p. 251 - ementa parcial).
“Marca. Dano. Prova. Reconhecido o fato de que a ré industrializava e comercializa produto ‘...’, marca registrada da autora, que também fabricava e vendia o mesmo produto, deve-se admitir consequentemente a existência do dano, pois a concorrência desleal significou uma diminuição do mercado” (REsp nº 101.059-RJ; 4ª T.; Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar; DJU de 7/4/1997; p. 11.125 - ementa parcial).
“Direito Comercial e Processo Civil. Recurso Especial. Ação de Conhecimento sob o Rito Ordinário. Propriedade industrial. Marca. Contrafação. Danos materiais devidos ao titular da marca. Comprovação. Pessoa jurídica. Dano moral. Na hipótese de contrafação da marca, a procedência do pedido de condenação do falsificador em danos materiais deriva diretamente da prova que revele a existência da contrafação, independentemente de ter sido o produto falsificado efetivamente comercializado ou não. Nesses termos considerados, a indenização por danos materiais não possui como fundamento tão somente a comercialização do produto falsificado, mas também a vulgarização do produto, a exposição comercial (ao consumidor) do produto falsificado e a depreciação da reputação comercial da marca, levadas a cabo pela prática de falsificação. (...) Recurso Especial a que se dá provimento” (REsp nº 466.761-RJ; 3ª T.; Rel. Min. Nancy Andrighi; DJU de 4/8/2003; p. 295).
No caso em comento, é incontroversa a contrafação levada a cabo pela ré, fato este devidamente provado, o que leva a sua condenação aos danos materiais.
Com tais considerações, dou provimento ao Apelo, para, além de reconhecer a contrafação realizada pela ré, condená-la a pagar ao autor os danos materiais decorrentes daquele ato, cujo valor será apurado em liquidação de sentença.
É como voto.
O Sr. Desembargador Luiz Carlos Gomes da Mata: no meu modesto inteligir, o dano material decorre naturalmente da contrafação, diante da desqualificação da marca, da sua vulgarização, o que é fato notório (art. 334, inciso I, CPC).
Tomo a disposição do art. 209 da Lei nº 9.279/1996, para concluir pelo dever de reparação material sempre que constatada a contrafação. Confira-se o inteiro teor do dispositivo citado, verbis:
“Art. 209 - Fica ressalvado ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio.”
Creio que a exegese do citado dispositivo, feita tendo em vista o seu propósito de pacificação social, que deve decorrer da preservação da ética e lealdade de concorrência nas práticas industriais e comerciais, traduz-se na clara conclusão de que está autorizada a reparação material como mero corolário da constatação de que houve violação do direito de propriedade industrial.
O C. STJ já firmou entendimento no mesmo sentido, como se pode ver in verbis:
“Propriedade industrial. Reconhecimento de contrafação. Indenização por perdas e danos. Precedentes desta Corte. 1 - Já assentou a Corte, nas Turmas que compõem a Seção de Direito Privado, que o reconhecimento da contrafação dá ensejo à indenização por perdas e danos, apurada em liquidação de sentença. 2 - Recurso Especial conhecido e provido” (STJ; REsp nº 646.911-SP; Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito; DJ de 22/8/2005; p. 266).
Entendo que está provado o dano material, estando pendente de definição apenas o seu quantum, o que pode ser feito em fase de liquidação de sentença.
Assim, estendo o provimento dado pelo D. Relator à Apelação, para condenar a ré ao pagamento dos danos materiais provocados à autora em razão da contrafação, determinando que seja o seu quantum apurado em liquidação de sentença, por arbitramento (art. 475-D, CPC).
Feitas tais considerações, dou provimento à Apelação, nos mesmos termos do D. Relator.
É como voto.
Súmula: deram provimento.
|