ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os Autos,
Acordam os Desembargadores integrantes da 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em deferir o pedido para excluir a multa aplicada pela ausência do Defensor na audiência no Juízo deprecado.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os Ems. Srs. Desembargadores Mario Rocha Lopes Filho e Carlos Alberto Etcheverry.
Porto Alegre, 29 de outubro de 2009
Nereu José Giacomolli
Relator
RELATÓRIO
Desembargador Nereu José Giacomolli (Relator): trata-se de Correição Parcial interposta por P. K. W., apontando como corrigendo o Juízo de Direito da Vara Criminal de Sapiranga.
Sustentou estar seu cliente, P. R. M. G., sendo processado perante a 1ª Vara Criminal de Santa Rosa, por delito de Receptação. Afirmou ter sido intimado por nota de expediente para audiência de oitiva de testemunha na Comarca de Sapiranga. Por estratégia defensiva, entendeu não influenciar tal testemunha para o deslinde do feito, razão pela qual não compareceu à solenidade. O Juízo deprecado, em razão de sua ausência e sem intimá-lo para se justificar, aplicou-lhe a multa de 10 Salários-Mínimos em favor da F. Comentou ter independência para decidir a melhor estratégia defensiva. Referiu não haver prejuízo ao réu, pois houve nomeação de Defensor. Mencionou não ser possível se falar em abandono da causa. Colacionou julgados. Postulou a suspensão da exigibilidade da aplicação da referida multa, liminarmente, julgando-se, ao final, procedente a impugnação, revogando-se, em definitivo, a multa prevista no art. 265 do CPP.
Na decisão vestibular proferida nesta Corte, deferi o pleito liminar (fls. 14).
Vieram as informações (fls. 17).
Nesta Corte, o D. Procurador de Justiça opina pela procedência da medida para revogação definitiva da pena de multa prevista no art. 265 do CPP (fls. 23 a 27).
É o relatório.
VOTO
Desembargador Nereu José Giacomolli (Relator):
Ems. Colegas,
A irresignação diz respeito à fixação de multa prevista no art. 265 do CPP.
Deferi o pleito liminar nos seguintes termos:
“Estou em conceder a Liminar suspendendo a exigibilidade da multa fixada, na medida em que não se pode inferir, pela ausência do Advogado do acusado em uma audiência, no Juízo deprecado, local onde foi inquirida a vítima, ter ele abandonado o Processo, com aplicação imediata da multa, sem qualquer possibilidade de justificação da ausência. Por isso, suspensa, liminarmente, a cobrança da multa.
Oficie-se o Juízo deprecante e o deprecado para prestarem informações.
Após, ao Ministério Público.”
Houve informações prestadas tanto pelo Juízo deprecante quanto pelo Juízo deprecado:
“Juízo deprecante:
Sr. Desembargador,
Venho, perante Vossa Excelência, prestar as informações solicitadas através do Ofício n° 1.175/09 - 6ª Câmara Criminal, datado de 29/9/2009, referente à Correição Parcial acima epigrafada, em que figura como requerente P. K. W. e requerido o Juiz de Direito da Vara Criminal da Comarca de Sapiranga.
O Processo está no aguardo da Carta Precatória enviada à Comarca de Sapiranga, a qual ainda não aportou aos Autos.
Permaneço à disposição de Vossa Excelência para quaisquer ulteriores esclarecimentos.
Atenciosamente.
Juízo deprecado:
Informações solicitadas.
Tratou-se de Carta Precatória para oitiva da vítima E. S., cujo Processo de origem tramita perante a 1ª Vara Criminal da Comarca de Santa Rosa, tombado sob o nº 02812.07.0004183-0.
A Precatória foi distribuída neste Juízo de Sapiranga em 30/10/2008, sendo designada audiência para o dia 13/4/2009, às 17 h, da qual o réu foi intimado por meio de seu Procurador, Dr. P. K. W. (fls. 28).
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Em 13/4/2009, a esposa da vítima compareceu em cartório informando que a vítima não poderia comparecer à solenidade por motivo de saúde, juntando Atestado Médico.
Diante da justificativa comprovada da vítima, bem como em face da ausência do réu e seu Defensor, foi designada nova data para audiência, em 31/8/2009, às 17h20. Ato contínuo, acerca da nova data, procedeu-se à intimação da vítima e do réu, por meio de seu Procurador (fls. 38).
Em 31/8/2009, procedeu-se à audiência, ocasião em que ausentes o réu e seu Defensor, embora devidamente intimados, passou-se à oitiva da vítima, com a nomeação de Defensor Público para o ato (fls. 40).
Em virtude do não comparecimento do Procurador do réu, foi determinada a incidência de multa de 10 Salários-Mínimos, em favor da F., nos termos do art. 265 do CPP.
Após, houve pedido de informações desta C. 6ª Câmara Criminal, haja vista a Correição Parcial oposta pelo procurador P. K. W.
Assim, prestadas as informações havidas por pertinentes, coloco-me à disposição de Vossa Excelência para prestar quaisquer outras que se fizerem necessárias.
Sem mais para o momento, renovo votos de consideração, estima e apreço.”
Estou em confirmar a Liminar e deferir a presente Correição Parcial.
Entendo não ser o caso de aplicação da multa prevista no art. 265 do CPP, o qual preconiza:
“Art. 265 - O Defensor não poderá abandonar o processo senão por motivo imperioso, comunicado previamente o Juiz, sob pena de multa de 10 a 100 Salários-Mínimos, sem prejuízo das demais sanções cabíveis. (Redação dada pela Lei nº 11.719/2008)
§ 1º - A audiência poderá ser adiada se, por motivo justificado, o Defensor não puder comparecer. (Incluído pela Lei nº 11.719/2008)
§ 2º - Incumbe ao Defensor provar o impedimento até a abertura da audiência. Não o fazendo, o Juiz não determinará o adiamento de ato algum do processo, devendo nomear Defensor substituto, ainda que provisoriamente ou só para o efeito do ato. (Incluído pela Lei nº 11.719/2008)”
Para haver abandono, como constou no artigo acima referido, necessita-se da vontade deliberada e consciente do Defensor de não mais patrocinar a defesa de seu cliente. Contudo, no presente caso, não foi configurado tal abandono, pois o Defensor deixou de comparecer a uma única audiência em comarca distinta da do processamento do feito, onde seria inquirida a vítima, pessoa não arrolada pela Defesa.
Há de se considerar que a mera ausência do Advogado em um ato, como no caso a oitiva da vítima, por carta precatória, não caracteriza o efetivo abandono previsto no artigo acima. Não sendo, pois, razão suficiente para a imposição da multa arbitrada.
Ademais, como bem ressaltou o Defensor constituído, não houve desamparo ao réu. Na audiência realizada no Juízo deprecado, foi nomeado Advogado dativo para a solenidade.
Nessa Corte, o entendimento ora empregado já foi objeto de decisões anteriores, como se pode notar do acórdão da relatoria do Desembargador Aramis Nassif, assim ementado:
“Correição Parcial. Precatória. Defensores constituídos ausentes na audiência de inquirição. Art. 265. Multa. Inaplicabilidade. 1 - Art. 265, CPP: Quando o texto legal refere-se ao ‘processo’, mesmo não excluindo o ‘ato’ (inquirição de testemunhas), permite apenas legitimação ao Juiz do processo e não o do ato deprecado para a aplicar a sanção. Ao Juízo deste incumbiria, apenas, consignar a ausência injustificada ao ‘ato’ para que o Juiz do ‘processo’, se fosse seu entendimento, optasse pela multa. 2 - Multa. Destinação ao Defensor ad hoc: trata-se de multa administrativa a prevista no art. 265, CPP, e não de verba honorária, só possível em hipótese de sucumbência. Inviabilidade de destinar a multa ao Defensor ad hoc, que tem meio legal para cobrar, do Estado, os honorários fixados na sentença. 3 - Defensor constituído: a atuação de Defensor constituído na defesa do patrocinado envolve relação contratual e fidelidade de mandato que, por eventual descumprimento, pode sujeitar os profissionais à indenização por iniciativa do patrocinado, a ser debatida como obrigação civil no Juízo adequado. 4 - Multa. Destinação ao Defensor Dativo: sem previsão legal para destinar a multa prevista no art. 265, CPP, aos Defensores Dativos e existindo norma administrativa (Ato nº 31/2008 P, TJRS) que regulamenta a fixação dos honorários destes, vedado era a eleição daquela opção pelo Juízo deprecado“ (CorPar nº 70029583218; 5ª Câm. Criminal; TJRS; Rel. Aramis Nassif; j. 27/5/2009).
Desse modo, no caso em tela, a mera ausência do Defensor na audiência de oitiva de uma testemunha ou vítima, em Juízo deprecado, não caracteriza abandono da causa capaz de ensejar a incidência da sanção prevista no art. 265 do CPP.
Há 2 potencialidades a serem consideradas no art. 265 do CPP: abandono e processo. Abandonar, dentre outros significados, mas restritos ao caso, do francês abandonner, indica deixar para sempre ou por muito tempo pessoas ou coisas, descurar, desinteressar-se, deixar sem auxílio, abandonar. O processo se constitui em um procedimento em contraditório, composto por vários atos processuais, que formam, na dinâmica da movimentação interna, várias situações processuais contextualizadas em cada caso concreto. Uma audiência, embora parte do todo - processo -, não representa a totalidade nem parte significativa - no Juízo deprecado - do processo.
Portanto, a ausência a uma audiência no Juízo deprecado não se insere no contexto de abandono nem abandono do processo.
Ademais, o dispositivo legal não determina ao Juiz a aplicação da sanção administrativa, existindo órgão de classe com atribuição específica para tal.
Mais. Já vamos longe da época em que se aplicavam sanções sem nenhuma possibilidade de defesa.
Isso posto, estou em confirmar a Liminar e em deferir a presente Correição Parcial.
Desembargador Mario Rocha Lopes Filho: de acordo com o Relator.
Desembargador Carlos Alberto Etcheverry: de acordo com o Relator.
Desembargador Nereu José Giacomolli (Presidente): Correição Parcial nº 70032472839, Comarca de Sapiranga: “à unanimidade, deferiram o pedido para excluir a multa aplicada pela ausência do Defensor na audiência no Juízo deprecado”.
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