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Jurisprudências

Direito de Família

DIREITO DE FAMÍLIA

Embargos de Terceiro - Fraude à Execução - Penhora não registrada - Comprovada má-fé dos embargantes, adquirentes do imóvel. Alegada, mas não provada, existência de outros bens no patrimônio da executada. Impenhorabilidade do bem de família. Impossibilidade de oposição por parte dos embargantes (adquirentes) e inaplicabilidade da proteção legal em favor da executada (alienante), que agiu de má-fé. Sentença de improcedência. Recurso não provido (TJSP - 4ª Câm. de Direito Privado; Ap nº 990.10.235178-5-São Paulo-SP; Rel. Des. Francisco Loureiro; j. 9/9/2010; v.u.).

 

 

 

  ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes Autos de Apelação nº 990.10.235178-5, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes ... ... ... e ... ... ... ..., sendo apelado ... ... .

Acordam, em 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, em proferir a seguinte decisão: “negaram provimento ao Recurso. v. u.”, de conformidade com o Voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores Enio Zuliani (Presidente) e Fábio Quadros.

São Paulo, 9 de setembro de 2010

Francisco Loureiro

Relator

  RELATÓRIO

Cuida-se de Recurso de Apelação interposto contra a r. sentença de fls. 174/180 dos Autos, proferida pelo MM. Juiz Enéas da Costa Garcia, que julgou improcedentes os Embargos de Terceiro, ajuizados por ... ... ... e ... ... ... ... em face de ... ... .

Fê-lo a r. sentença, forte no argumento de que restou evidenciada a má-fé dos embargantes no negócio aquisitivo, diante das seguintes evidências: ausência de Certidão dos distribuidores cíveis, recompra do imóvel por valor inferior ao da permuta e procuração para outorga de escritura definitiva passada para o Advogado dos promitentes compradores antes do pagamento do preço.

Deixou assentado o MM. Juiz a quo que a prova da existência de outros bens no patrimônio da executada cabia aos embargantes, ônus do qual não se desincumbiram a contento.

Entendeu, ainda, pela não caracterização do imóvel como bem de família, já que o embargante não reside no imóvel, que está vazio e aguardando interessados em sua locação.

Opostos Embargos Declaratórios pelos embargantes, foram rejeitados pela decisão de fls. 197.

Irresignados, recorrem os embargantes, alegando que o imóvel é impenhorável porque era bem de família da executada. Argumentam que agiram de boa-fé, pois desconheciam a demanda ajuizada contra a vendedora e a penhora não estava registrada no Oficial do Registro de Imóveis. Aduzem, ainda, que a executada tinha outros bens, o que afastaria a caracterização da fraude à execução.

O Recurso foi contrariado (fls. 200/203).

É o relatório.

  VOTO

1 - O Recurso não comporta provimento, e a exemplar sentença merece ser mantida, inclusive por seus próprios e bem lançados fundamentos.

Em 21/8/2003, por Escritura Pública, ... ... ... permutou 1 casa térrea por 1 sobrado com ... ... ... e ... ... ... ... .

Constou da Escritura que o sobrado foi permutado pelo valor de R$ 55.000,00, mas o embargante ..., em depoimento pessoal, afirmou que, na realidade, o valor correto do negócio foi de R$ 150.000,00 (fls. 169).

Menos de 1 ano depois, ou seja, em 9/3/2004, ... prometeu vender aquele sobrado novamente ao casal ..., pela importância de R$ 120.000,00. No mesmo dia, ... passou Procuração Pública a ... ..., Advogado do casal ... (que, inclusive, os representa nos presentes Embargos de Terceiro), dando-lhe poderes para a outorga da Escritura definitiva. Tal Escritura foi outorgada em 2/9/2004.

Já em 13/2/2003, ... ... havia ajuizado demanda contra ... ..., na qual ela foi condenada a pagar-lhe R$ 47.000,00. Nos Autos do cumprimento desta sentença, foi declarada ineficaz em relação ao exequente a venda do sobrado ao casal ..., por Fraude à Execução.

Nos presentes Embargos, o casal ... procura exatamente desconstituir essa decisão de Fraude à Execução.

Este é, em resumo, o caso dos Autos.

2 - Correta a sentença de 1º Grau. Perfeito o raciocínio do MM. Juiz, ao exigir, por parte do adquirente, boa-fé em sua vertente ética, não se contentando com a meramente psicológica.

A boa-fé subjetiva psicológica é o mero desconhecimento do vício, enquanto que a ética é o desconhecimento do vício, somado à adoção de todas as providências cabíveis para investigá-lo e descobri-lo. É o vício que o adquirente não conhecia nem poderia conhecer, de modo que eventual comportamento culposo é suficiente para tipificar a má-fé.

No dizer de FERNANDO NORONHA, 2 correntes dividem-se a respeito dos requisitos da boa-fé subjetiva. A 1ª corrente, denominada psicológica, exige o dolo ou ao menos culpa grosseira do titular do direito quanto ao conhecimento do vício. A 2ª corrente, denominada ética, exige que a ignorância da existência do vício seja desculpável. A ignorância seria indesculpável quando a pessoa houvesse desrespeitado deveres de cuidado (O Direito dos Contratos e seus Princípios Fundamentais, Saraiva, 1994, p. 134).

Impossível vislumbrar boa-fé dos apelantes no caso, pois toda a prova dos Autos fala em sentido contrário.

Em 1º lugar, a compra do sobrado por valor R$ 30.000,00 inferior ao que o mesmo havia recebido na permuta, realizada pelas mesmas partes menos de 1 ano antes.

Foge ao senso comum que o proprietário de um imóvel venda-o 1 ano depois por valor 20% inferior àquele pelo qual foi adquirido, lembrando que o negócio foi realizado entre as mesmas partes. A conduta certamente deveria despertar alguma desconfiança no adquirente ou em alguém de espírito avisado, recomendando, no mínimo, investigar com maior profundidade as circunstâncias da venda.

Os adquirentes, ora embargantes, tiveram conduta diametralmente oposta ao que se espera de quem realiza negócio em condições pouco usuais: deixaram de tirar certidões pessoais e fiscais dos alienantes, como é praxe em qualquer aquisição imobiliária de vulto.

Os 2 fatos acima, somados, são suficientes para demonstrar que os adquirentes não agiram com a diligência que era de se esperar no caso, não tendo, pois, se pautado de acordo com a boa-fé subjetiva em seu sentido ético.

Mas ainda há um 3º fato causador de estranheza no caso: no mesmo dia da realização de compromisso do compromisso de compra e venda, a promitente vendedora, ..., outorgou Procuração ao Advogado dos compradores, para celebração da Escritura definitiva, antes mesmo do recebimento do preço.

Sabido que a função do compromisso de compra e venda com pagamento diferido no tempo é resguardar os interesses do promitente vendedor, garantindo que a propriedade do bem só seja entregue aos adquirentes quando da satisfação do preço - função que resta completamente esvaziada ante a outorga de Procuração a pessoa da confiança dos adquirentes no dia da celebração do compromisso.

Bastante estranho que a promitente vendedora tenha renunciado a tão importante garantia, que é exatamente a razão de ser do compromisso de compra e venda. A conclusão mais plausível é que ela precisava, o quanto antes, desfazer-se desse imóvel, que poderia ser penhorado por seus credores. Conclusão esta à qual poderiam e deveriam ter chegado os promitentes compradores, se dotados do mínimo de perspicácia, o que denota, ainda uma vez, sua má-fé em sentido ético.

3 - Absolutamente irrelevante, no caso, a ausência de registro da penhora do sobrado.

A Súmula nº 375-STJ é bem clara ao enunciar que “o reconhecimento da fraude de execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”.

No caso dos Autos, restou evidenciada a má-fé do adquirente, conforme assentado supra. Assim, a fraude à execução caracteriza-se independentemente do registro da penhora.

4 - O fato de a executada ter outros bens em seu patrimônio constituía ônus probatório dos embargantes, do qual não se desincumbiram minimamente.

Tudo o que fazem é afirmar, sem trazer o menor resquício de prova, que a apelada tem outro imóvel na cidade de Santa Isabel, com o qual poderia responder à execução.

Deveriam, para provar o que alegam, por exemplo, ter juntado aos Autos Certidão atualizada da matrícula do imóvel ou ter arrolado testemunhas aptas a comprovar, pelo menos, a posse da executada sobre o imóvel. Mas não fizeram nada disso. Há nos Autos, aliás, prova em sentido contrário: no Ofício da Receita Federal, de fls. 144, consta que ... apresentou Declaração Anual de Isenta.

5 - Também não assiste razão aos apelantes em relação à impenhorabilidade de suposto bem de família.

Não serve o imóvel de residência dos embargantes, como admite de modo explícito o embargante em depoimento pessoal. Já o fato de o imóvel ser bem de família da executada (alienante) não pode ser alegado pelos embargantes, adquirentes do imóvel.

A Lei nº 8.009/1990 visa proteger o imóvel onde reside a família (conceito ao qual, para os efeitos desta lei, a jurisprudência dá interpretação bastante ampla), garantindo, assim, um patrimônio mínimo para esta entidade. Óbvio que o adquirente do imóvel, que nele não reside, não pode se valer dessa garantia alegando que o imóvel era bem de família da alienante.

Assim, o fato de determinada coisa constituir bem de família não impede o reconhecimento de eventual fraude à execução em sua alienação, nem a decretação de ineficácia desse negócio.

O imóvel alienado em fraude à execução, sendo ou não bem de família, deve servir de garantia ao recebimento do crédito do credor fraudado.

Há decisões do STJ no sentido de que o devedor que aliena imóvel em fraude à execução perde a proteção do bem de família. Vejam-se, a esse respeito, as seguintes ementas:

“Impenhorabilidade - Lei nº 8.009/1990 - Fraude de Execução. O Reconhecimento da Fraude importa ineficácia da alienação, relativamente à Execução. Em assim sendo, não pode o adquirente invocar os benéficos daquela Lei” (REsp nº 65.536-SP; Rel. Min. Eduardo Ribeiro).

“Agravo Regimental. Processo Civil. Fraude à Execução. Reconhecimento. Bem de família. Descaracterização. 1 - O bem que retorna ao patrimônio do devedor, por força de reconhecimento de Fraude à Execução, não goza da proteção da impenhorabilidade disposta na Lei nº 8.009/1990, sob pena de prestigiar-se a má-fé do executado. 2 - Precedentes. 3 - Agravo Regimental improvido” (AgRg no REsp nº 10.853.81-SP; Rel. Min. Paulo Gallotti).

“Execução. Bem de família. Impenhorabilidade. Aplicação da Lei nº 8.009, de 29/3/1990, afastada em virtude da má-fé com que se houveram os executados. Requisito do art. 5º do citado diploma legal não demonstrado. Matéria de fato. Má-fé dos executados proclamada pela decisão recorrida em razão de peculiaridades da causa, dentre elas a circunstância de que, por decisão judicial, declarou-se ineficaz a doação pelos mesmos feita aos filhos. Matéria que se insere no plano dos fatos. Precedentes da 4ª Turma no sentido de que não se deve prestigiar a má-fé do devedor. Requisitos exigidos pela Lei nº 8.009/1990 que estão a depender, por igual, do reexame de matéria fática (Súmula nº 7-STJ). Recurso Especial não conhecido” (REsp nº 187.802-SP; Rel. Min. Barros Monteiro).

Parece claro que a venda fraudulenta do patrimônio constitui séria infração ética, incompatível com a benesse legal que impede a penhora sobre o único imóvel residencial.

Foi correto o julgamento da improcedência dos Embargos de Terceiro.

Diante do exposto, pelo meu Voto, nego provimento ao Recurso.

Francisco Loureiro

Relator

 

 

   
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