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Jurisprudências

Direito Penal

DIREITO PENAL

Penal e Processual - Crime - Gestão de instituição financeira - Gerente - Vícios em contratos de empréstimos - Alegação de ofensa ao art. 4º, caput, da Lei nº 7.492/1986 - Fatos que não comprovaram qualquer ato de gestão - Exame de prova - O descumprimento de normas internas da agência bancária, relativas a empréstimos e financiamentos, não legitima a acusação de Gerente pelo delito de Gestão Fraudulenta se os atos não chegaram a compreender o núcleo contido no verbo “gerir”, pelo qual se tem real comprometimento da administração da instituição. No mais, afastada, pela instância de origem, qualquer ingerência de monta na gestão da instituição financeira, resta a questão acomodada no exame fático-probatório, defeso nesta via especial. Recurso não conhecido (STJ - 6ª T.; REsp nº 897.864-PR; Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura; j. 4/11/2010; v.u.).

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os Autos em que são partes as acima indicadas,

Acordam os Ministros da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça: “a Turma, por unanimidade, não conheceu do Recurso, nos termos do Voto da Sra. Ministra Relatora”. Os Srs. Ministros Og Fernandes, Celso Limongi (Desembargador convocado do TJSP) e Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJCE) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Presidiu o julgamento a Sra. Min.Maria Thereza de Assis Moura.

Brasília, 4 de novembro de 2010

Maria Thereza de Assis Moura

Relatora

  RELATÓRIO

Ministra Maria Thereza de Assis Moura (Relatora): cuida-se de Recurso Especial aviado pelo Ministério Público Federal, com fundamento no art. 105, inciso III, alínea a, da CF, contra acórdão da 8ª Turma do TRF- 4ª Região, proferido nos Autos da Apelação nº 2003.04.01.024719-2.

Veja-se o teor do sumário da decisão (fls. 709):

“Penal. Prescrição da pena. Gestão Temerária ou Fraudulenta. Artigo 4º da Lei nº 7.492/1986. Se transcorreram mais de 4 anos entre a data dos fatos e o recebimento da Denúncia, deve ser declarada extinta a punibilidade pela prescrição nos termos do art. 109, inciso V, do CP. O gerente da agência bancária, nos casos em que não possui poder de comando da instituição financeira, nem esteja coligado a alguém que detenha, não pode figurar como sujeito ativo do Crime de Gestão Temerária ou Fraudulenta prescrito no art. da Lei nº 7.492/1986”.

Segundo os Autos, o Ministério Público Federal ajuizou Ação Penal contra E. A. F., J. J. C. e A. B. S., aos quais imputou a prática dos crimes previstos nos arts. 4º, caput, 17 c.c. 25, todos da Lei nº 7.492/1986, e na forma do art. 29 do CP. A Denúncia veio lastreada no fato de que o 1º recorrido, na condição de Gerente-Geral de Agência do Banco ..., concedia, de modo combinado, aos outros 2 recorridos, empréstimos por cujo montante não teriam capacidade financeira de arcar, causando, assim, prejuízo financeiro, bem como à imagem da instituição e das operações por ela realizadas.

Por sentença publicada em 20/3/2003, somente os 2 primeiros recorridos (E. e J. J.) foram condenados, entendendo o Juiz sentenciante enquadrá-los nas penas do art. 4º, caput, c.c. o art. 25, ambos da Lei nº 7.492/1986, aquele à pena de 5 anos e 6 meses de reclusão, mais multa, e este, a 1 ano e 6 meses de reclusão, mais multa.

Inconformada, a Defesa apelou ao Tribunal Regional da 4ª Região, que, por sua vez, de pronto declarou a extinção da punibilidade do recorrido J. J., em face da ocorrência da prescrição e, de igual modo, desclassificou a conduta do recorrido E. A. para o Crime de Estelionato e, ato contínuo, reconheceu-lhe a prescrição.

Daí este Recurso Especial (fls. 716/724), em que o Ministério Público defende a negativa de vigência do art. 4º c.c. o art. 25 da Lei nº 7.492/1986.

Assevera, em suas razões, que a figura do Gerente de agência bancária “pode ser considerada sujeito ativo dos crimes definidos no art. 4º” da referida Lei, sendo que, na hipótese, o recorrido detinha poder para autorizar operações de empréstimos e financiamentos em nome do Banco ... .

Com esses fundamentos, o recorrente aguarda o conhecimento e provimento do Recurso, para o fim de manter a condenação do recorrido E. A. F., consoante delineado na sentença de 1º Grau.

Em contrarrazões (fls. 738/741), a defesa do recorrido pugna pelo não conhecimento do Recurso, já que não realizado o prequestionamento e, no mérito, defende a manutenção do aresto hostilizado.

O Recurso foi admitido por força da decisão de fls. 751, da lavra do I. Vice-Presidente da Corte a quo, subindo os Autos para apreciação da controvérsia.

Neste Tribunal, instado a manifestar-se na condição de custos legis, o Ministério Público Federal opinou pelo provimento do Recurso, conforme sumário de Parecer (fls. 768):

“Recurso Especial. Gestão Temerária. Artigo 4º c.c. o art. 25, ambos da Lei nº 7.492/1986. Sujeito ativo do delito. Gerente de agência de instituição financeira. Possibilidade. Real poder de gestão. 1 - O art. 25 da Lei nº 7.492/1986 prevê expressamente os Gerentes como sujeitos ativos dos crimes ali previstos. 2 - No caso concreto, verifica-se que o gerente da agência do Banco ... detinha absoluto poder de gestão, prescindindo de autorização para concessão de empréstimo e financiamentos. 3 - O fato de ser Gerente de uma agência, que representa apenas uma fração da instituição financeira, não exime seu poder de mando sobre as operações ali realizadas, sendo o responsável legal por qualquer irregularidade ocorrida. 4 - Parecer por que seja dado provimento ao Recurso”.

É o relatório.

VOTO

Ministra Maria Thereza de Assis Moura (Relatora): a questão debatida tem sede na delicada construção do tipo do art. 4º, caput, da Lei nº 7.492/1986, que assim prescreve:

“Art. 4º - Gerir fraudulentamente instituição financeira: Pena. Reclusão, de 3 a 12 anos, e multa”.

Quanto ao referido tipo, esta 6ª Turma tem suscitado inúmeros questionamentos acerca do alcance do núcleo da conduta de gerir instituição financeira.

Isso porque gestão, no dizer de AURÉLIO, significa atuar na administração, na gerência, ato de gerir; dando logo a ideia de sequência de atos.

No dizer do Acórdão, não houve a gestão propriamente dita, porquanto o recorrido, na condição de simples Gerente de agência bancária, não teria poder de gerir a instituição financeira.

Aliás, destaque-se do voto vencedor (fls. 702-703):

“No caso dos Autos, vale destacar que a Denúncia refere que o acusado, na condição de Gerente do Banco ... em Curitiba-PR, ‘geriu temerariamente a instituição financeira, autorizando a concessão irregular de diversos empréstimos e financiamento a correntistas daquela empresa pública’. De início, infere-se do Processo que a conduta do denunciado foi praticada em desfavor da instituição bancária, pois não teriam sido observados normativos internos e Pareceres do respectivo Comitê de Crédito para a realização das operações descritas na Inicial acusatória. Seria indevida conduta de Gerente em desfavor da instituição, não por ela (instituição) em detrimento do Sistema Financeiro Nacional, nem ato de gestor que voltou a administração para a fraude, pondo em efetivo risco a higidez da instituição, o que, se de fato houvesse acontecido, enquadraria a conduta no art. 4º da Lei nº 7.492/1986.

Ressalta-se, ainda, que a gerência daquela agência não pode ser confundida com a alta administração da instituição financeira. Possui apenas gerentes e outros funcionários que, na hierarquia do Banco, ficam, como a experiência indica, extremamente distantes da cúpula diretiva, que são os que podem deter efetivos poderes para praticar atos que cheguem a criar ameaça materialmente relevante ao bem jurídico tutelado pela norma contida naquele dispositivo legal.

Assim, não há como imputar a prática do Crime de Gestão Temerária a E. A. F. Contudo, pode-se cogitar que seu agir tipifica a conduta do art. 171 do CP, sendo caso, pois, de emendatio libelli. Entretanto, exame mais detido dos Autos denuncia que eventual enquadramento neste ilícito estaria prescrito. Consoante Voto proferido pelo Em. Relator, a pena-base imposta ao réu ficou apenas 8 meses acima do mínimo legal, retornando a este patamar em razão da incidência da atenuante contida no art. 65, inciso III, alínea b, do CP. Assim, no caso do Estelionato, restaria fixada em 1 ano de reclusão. Tendo em conta que foi praticado contra o Banco ..., incidirá a causa de aumento prevista no § 3º do art. 171, o que eleva a pena para 1 ano e 4 meses, tornando-a definitiva”.

Tomando por base a definição da causa pelo Tribunal a quo, devo mencionar que me filio à corrente doutrinária segundo a qual somente pode haver “gestão temerária” tomando por base a atuação sequencial do gestor, ou, dizendo de outra forma, a sua “performance” na função de direção (gestão) do Banco, com análise dos seus atos durante um período de tempo, sendo insuficiente um só ato isolado ou mesmo alguns de importância diminuta para legitimar a persecutio.

Nesse sentido, ROBERTO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO JÚNIOR e FÁBIO M. DE ALMEIDA DELMANTO, discorrendo sobre o tipo e lembrando SÉRGIO MARCOS DE MORAES PITOMBO, afirmam que:

“O núcleo é o mesmo do caput, qual seja a gestão, que é a resultante do ato de gerir. Igualmente requer-se, assim, certa habitualidade de condutas, inexistindo gestão ‘de um ato só’. O elemento normativo, aqui, é outro, temerário. Pode-se perfeitamente criticar o legislador pelo emprego de tão aberta e ‘porosa’ expressão (parafraseando SÉRGIO MARCOS DE MORAES PITOMBO), posto possuir diversos sentidos, cuja conotação é extremamente subjetiva: arriscada, abusiva, irresponsável e, até, imprudente. As palavras de PIMENTEL, com usual pertinência, são enfáticas: ‘Gestão Temerária é caracterizada pela abusiva conduta, que ultrapassa os limites da prudência, arriscando-se o agente além do permitido mesmo a um indivíduo arrojado. É o comportamento afoito, arriscado, atrevido’” (Leis Penais Especiais Comentadas, Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 143).

Portanto, não há como tipificar Gestão Fraudulenta ou Temerária pinçando um ato isolado da atuação do dirigente da instituição financeira, pois, apesar da atecnia na definição um tanto vaga do tipo, há de existir “habitualidade”, pluralidade de atos na condução dos negócios do banco.

Esse entendimento tem inteira aplicação ao caso concreto, porque, diante de tal configuração, não há como considerar existente a Gestão Fraudulenta ou Temerária da parte do Gerente que apenas fraudou empréstimos e financiamentos.

Conforme dito pelo aresto recorrido, a questão se resumiu à realização de contratos no interior da agência bancária, com descumprimento de normas internas e sem nenhuma repercussão no que se poderia denominar gestão da instituição financeira, de sorte a atingir o bem jurídico tutelado.

Essa definição da instância ordinária, de que não houve o atuar fora da condição de simples Gerente da agência bancária, põe em dúvida a pretensão de reforma, já que encaminha o exame da controvérsia para o viés probatório, o que não se mostra aconselhável neste momento.

De fato, restou demonstrado nos Autos que o recorrido agiu em situações particulares sem nenhuma interferência na vida da instituição, até mesmo em relação ao seu nome perante o mercado financeiro.

O certo é observar, nesta altura, que o Tribunal a quo resolveu a lide penal procedendo à devida interpretação do direito federal conforme o contexto e a sede dos fatos apurados, não cabendo a esta Corte considerar violado o dispositivo em exame.

Ante o exposto, não conheço do Recurso Especial.

É o voto.

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