DIREITO COMERCIAL
Agravo de Instrumento - Decisão que deferiu Pedido de Recuperação Judicial - Pretensão à reforma - Pedido formulado em nome de pessoa física - Ausência de Registro na Junta Comercial - Teses improcedentes - Litigância de má-fé não reconhecida - Recurso desprovido - Tanto o empresário (pessoa física que exerce a empresa) quanto a sociedade empresária (pessoa jurídica que exerce a empresa) podem postular a recuperação judicial, desde que em situação regular, condição que demanda, primeiro, o Registro na Junta Comercial, presente no caso concreto. A parte não pode ser apenada como litigante de má-fé pelo simples fato de sua pretensão ter sido rejeitada, se não for constatada sua intenção dolosa, ou ao menos culposa, de agir no sentido de prejudicar o adversário (TJMT - 1ª Câm. Cível; AI nº 133804/2009-Rondonópolis-MT; Rel. Des. Orlando de Almeida Perri; j. 30/3/2010; v.u.). |
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RELATÓRIO Exmo. Sr. Desembargador Orlando de Almeida Perri, Eg. Câmara, Trata-se de Agravo de Instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto em 26/11/2009 pelo Banco ... S.A. contra decisão interlocutória proferida pela 4ª Vara Cível da Comarca de Rondonópolis, nos Autos da Ação de Recuperação Judicial proposta por J. A. C. (Autos nº 618/2009). De acordo com a petição recursal e os documentos que a instruíram (fls. 02/195), o Juízo a quo, em decisão proferida em 4/8/2009, deferiu o pedido de recuperação judicial formulado pelo agravado (fls. 150-151). Essa decisão, sustenta o agravante, é equivocada, “eis que o autor, por ser pessoa física, não preenche os (requisitos) dos arts. 48 e 51 da Lei de Recuperação Judicial e Falências - Lei nº 11.101/2005”. Em apoio dessa tese, invocou a decisão proferida pela 1ª Câm. Cível deste Tribunal, no AI nº 77.439/2009 (fls. 171/189). Em decisão proferida em 27/11/2009, neguei efeito suspensivo ao Agravo (fls. 199/201). O agravado ofereceu contraminuta em 8/1/2010, postulando o desprovimento do Recurso e a condenação do agravante como litigante de má-fé (fls. 212/221). O Juízo a quo prestou informações em 21/1/2010, esclarecendo que o agravante cumpriu a exigência do art. 526 do CPC e que a decisão agravada foi mantida (fls. 227). A Procuradoria-Geral de Justiça, pela Procuradora Eunice Helena Rodrigues de Barros, opinou pelo desprovimento do Agravo, em Parecer exarado em 1º/2/2010 (fls. 231/233). É o relatório. Parecer (oral). O Sr. Dr. Wilson Vicente Leon. Ratifico o Parecer escrito. VOTO Exmo. Sr. Desembargador Orlando de Almeida Perri (Relator), Eg. Câmara, O presente Recurso deve ser desprovido, em consonância com o Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça. O agravante sustenta que a decisão recorrida merece ser reformada, “uma vez que a ilegitimidade do agravado para pleitear a Recuperação Judicial é patente, eis que se trata de pessoa física”, acrescentando que o objetivo da Lei nº 11.101/2005 “não é o de beneficiar pessoas físicas, para essas temos o instituto da insolvência, que é regulado pelo CC brasileiro” (sic). Essa tese não pode ser acolhida, tendo em vista que a referida Lei “disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor” (art. 1º, sem grifo no original). Antes, sua ementa fala em empresário e sociedade empresária. Comentando esse dispositivo, NEWTON DE LUCCA ensina que “a nova lei falimentar se aplica: 1 - aos empresários individualmente considerados; 2 - às sociedades por ações, independentemente do objeto social que tiverem, já que se revestem, obrigatoriamente, da forma empresária, por força de lei; 3 - às sociedades que, mesmo sem estarem legalmente obrigadas a ter forma de sociedade empresária, optarem por tal modelo e não pelo modelo da sociedade simples” (Comentários à nova Lei de Recuperação Judicial de Empresas e de Falências, São Paulo, Quartier Latin, 2005, p. 73). |
Empresário individual, na lição de SÉRGIO CAMPINHO, “é a pessoa física ou natural que exerce a empresa”, ou seja, “atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços no mercado” (Falência e recuperação de empresa, 4. ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2009. p. 16-17). No caso concreto, os documentos que acompanharam a Petição Inicial demonstram que o agravado, de forma individual, atua no ramo de transporte de cargas, ou seja, desenvolve atividade organizada para a circulação de bens. O agravante também afirma que “o agravado não comprovou o Registro Público de Empresa Mercantil, que a lei exige para tal pleito” (grifo no original). É certo que apenas o empresário regular pode se valer da recuperação judicial. Nesse sentido, a lição de SÉRGIO CAMPINHO: “sujeitam-se à falência o empresário individual regular, entendido como aquele que não está legalmente impedido de exercer a atividade e se encontra devidamente inscrito no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, a cargo das Juntas Comerciais, bem como o irregular ou de fato, ou seja, aquele que exerce a atividade à margem das exigências legais para seu exercício regular. Entretanto, o empresário irregular não poderá fazer uso dos institutos da recuperação judicial ou da extrajudicial, reservados somente para aqueles que exerçam regularmente as suas atividades há mais de 2 anos (arts. 48 e 161)” (ob. cit., p. 18). Nesse sentido, ainda, o Voto que proferi no Agravo de Instrumento nº 77.4399/2009: “a recuperação judicial só pode ser requerida por quem ostenta a condição de empresário; nos termos da lei, empresário é aquele que tem o seu Registro efetuado no Registro Público de Empresas Mercantis, (...)” (sem grifo no original). No caso concreto, porém, o agravado formulou o pedido de recuperação judicial na qualidade de empresário individual e fez prova dessa condição, juntando aos Autos Certidão simplificada expedida pela Junta Comercial do Estado de Mato Grosso, onde consta que é empresário do ramo de transporte de cargas, inscrito no CNPJ/MF sob o nº ... e no Nire sob o nº ... . Essa Certidão também informa as datas do arquivamento do ato constitutivo e do início das atividades - 27/12/1984 e 2/1/1985, respectivamente. Tendo em vista esse documento, não é possível aceitar a tese do agravante, baseada em inconsistências sem qualquer relevância (indicação do CPF/MF na petição inicial e não do CNPJ/MF e juntada da declaração de renda de pessoa física). Ressalto, a propósito, que não se pode falar em cisão entre empresário individual e pessoa física, entre patrimônio do empresário individual e patrimônio da pessoa física, como se vê no seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça: “Empresário individual é a própria pessoa física ou natural, respondendo os seus bens pelas obrigações que assumiu, quer civis, quer comerciais. Indispensável a outorga uxória para efeitos de doação, considerando que o patrimônio da empresa individual e da pessoa física nada mais são que a mesma realidade. Inválido, portanto, o negócio jurídico celebrado” (3ª T.; REsp nº 594.832-RO; Rel. Min. Nancy Andrighi; Acórdão de 28/6/2005; publicado em 1º/8/2005, p. 443). Deixo de reconhecer a litigância de má-fé do agravante, conforme postulado na contraminuta, porque não considero evidenciado o dolus malus na interposição deste Agravo de Instrumento. O instituto previsto no art. 17 do CPC busca acirrar o respeito ao Princípio da Lealdade, coibindo condutas que se mostrem abusivas. Portanto, não basta que a pretensão da parte seja indeferida, sendo preciso averiguar o seu ânimo, perquirindo a sua intenção dolosa, ou ao menos culposa, de agir no sentido de prejudicar o adversário. Em face do exposto, nego provimento ao Agravo. É como voto. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os Autos em epígrafe, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do Desembargador Orlando de Almeida Perri, por meio da Câmara Julgadora, composta pelos Desembargadores Orlando de AlmeidaPerri (Relator), Jurandir Florêncio de Castilho (1º Vogal) e pelo Dr. José M. Bianchini Fernandes (2º Vogal convocado), proferiu a seguinte decisão: à unanimidade, improveram o Recurso. Cuiabá, 30 de março de 2010 Orlando de Almeida Perri Relator |