DIREITO DO CONSUMIDOR
Energia elétrica - Fraude no medidor - Ação Declaratória de Inexistência de Débito julgada improcedente - Termo de Ocorrência de Irregularidade - Presunção de legalidade - Prova para afastar presunção de legalidade que deveria ter sido feita pelo consumidor, que, contudo, não se desincumbiu do ônus que lhe competia. Cálculo do débito oriundo da irregularidade deverá ser feito pela média aritmética dos valores de consumo ocorridos nos 12 ciclos completos de medição normal, imediatamente anteriores ao início da irregularidade. Corte no fornecimento de energia elétrica só se justifica com prova de inadimplemento de consumo regular. Apelação parcialmente provida (TJSP - 36ª Câm. de Direito Privado; Ap nº 990.09.345423-8-Araraquara-SP; Rel. Des. Romeu Ricupero; j. 13/5/2010; v.u.). |
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ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes Autos de Apelação n° 990.09.345423-8, da Comarca de Araraquara, em que é apelante R. V. I. C. P. A. Ltda. M.E. sendo apelado C. P. F. L. Acordam, em 36ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “deram provimento em parte ao Recurso. v.u.”, de conformidade com o Voto do Relator, que integra este Acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores Romeu Ricupero (Presidente), Jayme Queiroz Lopes e Arantes Theodoro. São Paulo, 13 de maio de 2010 Romeu Ricupero Relator RELATÓRIO Trata-se de Apelação interposta por R. V. I. C. P. A. Ltda. M.E. (fls. 140/156) contra a r. sentença de fls. 121/123, cujo Relatório adoto, que julgou improcedente o pedido deduzido na Inicial. Condenou a autora a arcar com as custas, despesas processuais e honorários advocatícios que fixou em 10% sobre o valor atualizado da causa. A apelante sustenta que, tendo em vista que a medição é feita mês a mês, seria impossível que a irregularidade ocorrida no medidor tivesse passado despercebida pelos funcionários da apelada por 3 anos. Explicita não ter cometido irregularidade, sendo, portanto, passível de indenização por perdas materiais e danos morais um futuro corte no fornecimento de energia elétrica. Alega que se deve apurar o real valor devido através do consumo ocorrido posteriormente ao reparo no medidor. Preparado (fls. 137/138), o Recurso que é tempestivo foi recebido (fls. 139) e respondido (fls. 140/156). VOTO Fundamentos Consta na Inicial que funcionários da ré alegaram ter constatado irregularidade no medidor de energia elétrica da unidade consumidora da autora. Sustentou a autora que em razão de tal constatação lhe foi apresentada uma nova fatura com valores abusivos. Alegou estar correndo risco de sofrer interrupção no fornecimento de energia. Foi indeferida a Antecipação de Tutela pleiteada (fls. 62). Houve contestação, na qual a ré asseverou a constatação de violação no medidor de energia pela requerida. Explicitou que houve consumo a menor no período mencionado na Inicial. Deve prevalecer em parte a r. sentença. Conforme o art. 72 da Resolução nº 456/2000, constatada a ocorrência de qualquer procedimento irregular cuja responsabilidade não lhe seja atribuível e que tenha provocado faturamento inferior ao correto, ou no caso de não ter havido qualquer faturamento, a concessionária adotará as seguintes providências: I - emitir o “Termo de Ocorrência de Irregularidade”, em formulário próprio, contemplando as informações necessárias ao registro da irregularidade, tais como: omissis; II - promover a perícia técnica, a ser realizada por terceiro legalmente habilitado, quando requerida pelo consumidor; III - omissis; IV - omissis. |
O § 4º, por sua vez, enuncia que, “no caso referido no inciso II, quando não for possível a verificação no local da unidade consumidora, a concessionária deverá acondicionar o medidor e/ou demais equipamentos de medição em invólucro específico, a ser lacrado no ato da retirada, e encaminhar ao órgão responsável pela perícia”. Como se vê, o inciso II e o § 4º, exigindo, respectivamente, perícia técnica e retirada do medidor, só se aplicam quando o consumidor expressamente requerer a perícia técnica. Parece-me evidente que o Termo de Ocorrência de Irregularidade possui presunção de veracidade. Se o autor disse que não praticou a fraude, incumbia a ele a prova do fato constitutivo de seu direito (art. 333, inciso I, do CPC), ou seja, a demonstração de que fraude não houve ou, se houve, não foi ele quem a praticou. Mas, como se viu, o autor só juntou prova documental oriunda da ré, que nada, absolutamente nada, o favorece. Assim, evidente que não se desincumbiu do ônus da prova e não afastou a presunção de veracidade que emana do TOI - Termo de Ocorrência de Irregularidade -, não havendo como se julgar procedente o pedido. Em relação ao débito oriundo da irregularidade, deve-se efetuar o cálculo das diferenças pela média aritmética dos valores de consumo ocorridos nos 12 ciclos completos de medição normal imediatamente anteriores ao início da irregularidade. O valor apontado pela ré, apurado com base em critério fixado pela Agência Nacional de Energia Elétrica, indicado no art. 72, inciso IV, alínea b, da Resolução nº 456/2000, que leva em conta o maior valor de consumo ocorrido nos 12 ciclos completos de medição normal imediatamente anteriores ao início da irregularidade, não tem razoabilidade nenhuma. O critério considera o maior consumo verificado anteriormente e o aplica no cálculo das diferenças em todos os meses, sem ponderar que o consumo de energia varia de 1 mês a outro em função de múltiplos fatores, v.g., das estações do ano. É desproporcional o critério de estimativa de diferenças que despreza as flutuações naturais da demanda. Tal critério impõe ao consumidor obrigação excessivamente onerosa, o coloca em desvantagem exagerada, e é incompatível com a boa-fé e a equidade (CDC, arts. 6º, incisos IV e V, e 51, inciso IV). Ademais, a suspensão do fornecimento de energia elétrica ao usuário inadimplente constitui exercício regular de um direito. Com a devida vênia de respeitáveis opiniões em contrário, a suspensão do fornecimento de energia elétrica ao consumidor inadimplente constitui ato lícito, a teor do disposto no art. 6º, § 3º, da Lei nº 8.987/1995. (...). Se o consumidor descumprir a obrigação de pagar, a concessionária tem o direito de suspender o fornecimento do serviço. Todavia, na hipótese vertente, não poderá a ré suspender o fornecimento de energia elétrica em relação à unidade consumidora do autor. O débito diz respeito a diferenças de consumo havidas em período pretérito, e é o único existente, uma vez que todas as faturas foram pagas pelo autor. Assim, o débito relativo às diferenças, único existente, não pode ensejar a interrupção do serviço de fornecimento de energia elétrica. O autor, consumidor, tem o direito básico de proteção contra métodos comerciais coercitivos (CDC, art. 6º, inciso IV), que a ameaça ou o efetivo corte de energia no caso específico destes Autos configura com meridiana clareza. Em suma, a Ação é procedente em parte, ou seja, existe o débito decorrente da irregularidade, porém esse débito será exigível apenas em relação à quantia apurada pelo cálculo da média aritmética dos valores de consumo ocorridos nos 12 ciclos completos de medição normal imediatamente anteriores ao início da irregularidade. Em razão da sucumbência mínima da apelada, de acordo com o art. 21 do CPC, fica mantido o decidido na origem nesse particular. Destarte, pelo meu Voto, dou provimento parcial ao Recurso. Romeu Ricupero Relator |