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Jurisprudências

Direito Penal

DIREITO PENAL

Homicídio Culposo - Acidente do trabalho - Condenação - Recurso - Proprietário de construção acusado de não ter fornecido ao empregado-vítima os equipamentos de segurança - Fato que não foi a causa desencadeadora do evento - Suspeita de suicídio - Culpa exclusiva da vítima - Absolvição - 1 - Deve ser absolvido do Crime de Homicídio Culposo o proprietário da construção acusado de não ter fornecido ao empregado-vítima os equipamentos de segurança na hipótese em que tal fato não tenha sido a causa desencadeadora da morte do ofendido, sendo certo que, para ter relevância jurídica no âmbito penal, o não fornecimento dos equipamentos relacionados à prevenção de acidentes do trabalho deve inserir-se na linha evolutiva do evento. 2 - No caso, as provas testemunhais e periciais apontam para o suicídio, sendo certo que a vítima, por conta própria e contra ordem expressa do patrão, foi até a borda de uma laje, local em que não era executado nenhum serviço, vindo a cair acidentalmente ou se jogando dessa altura. O trabalho da vítima consistia apenas em carregar tijolos por uma escada central do prédio até o centro da 3ª laje, tendo sido expressamente avisada de que não deveria se aproximar da beirada da laje, dada a falta provisória de parede ou parapeito. Por motivos desconhecidos, a vítima, trabalhando sozinha no local, abandonou o carregamento dos tijolos, caminhou cerca de 6 metros até o limite máximo da laje, retirou a camisa e os chinelos e caiu do 3º andar, mas não ficou esclarecido se a queda foi acidental (imprudência da vítima em se movimentar sem necessidade em local tão perigoso), ou se foi voluntária (suicídio, hipótese não descartada pelo laudo pericial e sugerida por várias testemunhas). 3 - A omissão de fornecer ou de exigir o uso de equipamentos de segurança, como luvas, botas, capacete e cinto, não é relevante, porque não entrou na linha evolutiva do evento, considerando-se a função então exercida pela vítima e o local em que ela trabalhava. 4 - Recurso conhecido e provido para absolver o réu, com base no benefício da dúvida (CPP, art. 386, inciso VII) (TJDFT - 2ª T. Criminal; ACr nº 2006.03.1.011147-8-DF; Rel. Des. Roberval Casemiro Belinati; j. 23/9/2010; v.u.).

 

 

 

  ACÓRDÃO

Acordam os Srs. Desembargadores da 2ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, Roberval Casemiro Belinati (Relator), Silvânio Barbosa dos Santos (Vogal), Alfeu Machado (Vogal), sob a Presidência do Sr. Desembargador Roberval Casemiro Belinati, em proferir a seguinte decisão: dar provimento. Unânime, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília, 23 de setembro de 2010

Roberval Casemiro Belinati

Relator

  RELATÓRIO

Cuida-se de Apelação Criminal interposta por J. N. A. contra a sentença que julgou procedente a pretensão punitiva para condená-lo nas sanções do art. 121, § 3º, do CP, nos Autos da Ação Penal nº 2006.03.1.011147-8, em curso perante o MM. Juízo da 1ª Vara Criminal da Circunscrição Judiciária de Ceilândia-DF (fls. 240/249).

A Denúncia narrou os fatos nos seguintes termos (fls. 02/04):

“Consta do incluso Inquérito Policial que, no dia 18/4/2006, por volta das 14h30, o trabalhador C. G. S., quando trabalhava na construção de uma edificação no ..., Qd. ..., conj. ..., lotes ... e ..., Ceilândia-DF (fls. 111), sofreu uma queda da última laje do prédio (2º andar), de uma altura de aproximadamente 9 metros, o que lhe ocasionou as lesões descritas no Laudo de Exame Cadavérico de fls. 12/14, lesões estas que foram a causa determinante de sua morte.

Narram as peças informativas que, no dia, hora e local dos fatos, a vítima, estando a serviço do denunciado e cumprindo ordens deste, subiu até a 3ª e última laje da edificação, a qual não dispunha de qualquer sistema de proteção contra queda, momento em que, após aproximar-se da beirada da face anterior do prédio, desequilibrou-se, caindo sobre a rede de alta tensão e sendo projetada ao solo.

As condições inseguras em que o trabalho era desenvolvido, com total ausência de mecanismos de segurança, deram causa à ocorrência do acidente: não foi implementado qualquer sistema de proteção contra queda, sendo que a vítima trabalhava sem a necessária utilização de cinto de segurança, restando caracterizado o flagrante descumprimento ao que preceitua a NR-18, nos itens 18.13.1, 18.13.4, 18.23.1, 18.23.2 e 18.23.5, todos transcritos no Laudo de Exame de Local (fls. 27).

Emerge das peças informativas que o denunciado deu início à construção do prédio sem a devida autorização da Administração, sem o devido acompanhamento do engenheiro responsável técnico e sem respeitar a distância mínima obrigatória da rede elétrica.

O descaso com a segurança dos trabalhadores permeou toda a execução do serviço em que ocorreu o trágico evento, sendo certo que o denunciado, além das omissões acima descritas, também não cumpria e não cumpriu o seu dever de orientar e advertir os trabalhadores quanto ao respeito às normas de segurança, desatendendo, assim, a determinação constante do art. 157 da CLT e do item 1.7 da NR-01.

O denunciado, na qualidade de dono da obra, ao chamar para si a condução e direção do serviço, ao desrespeitar a distância mínima contra quedas, ao não fornecer e impor o uso do equipamento de proteção individual necessário (cinto de segurança) e ao omitir-se no dever de orientar e advertir os trabalhadores quanto ao respeito às normas de segurança, deu causa ao acidente que vitimou o trabalhador.

Com efeito, se as citadas medidas de segurança tivessem sido adotadas, o resultado morte não teria ocorrido, conforme cabalmente demonstrado pelas provas que instruem a presente Denúncia.

Portanto, a responsabilidade penal do denunciado emerge de seu comportamento negligente e omisso na adoção das medidas de segurança obrigatórias, acima referidas. O denunciado faltou com o cuidado objetivo necessário para se evitar o trágico evento ora narrado”.

A pena foi fixada em 1 ano de detenção, em regime inicial aberto, substituída por uma restritiva de direitos, a ser estabelecida no Juízo de Execuções Penais.

Inconformado, o réu interpôs Recurso de Apelação (fls. 255).

Nas razões recursais, a Defesa requer a absolvição, sob o argumento de que não há relação de causalidade entre o resultado morte e a pretensa omissão do réu, na medida em que ocorreu culpa exclusiva de terceiro, no caso a C., ou da própria vítima, visto que ela se aproximou perigosamente da borda da laje, sem necessidade e contra ordem expressa, expondo-se ao perigo de queda. Argumenta a Defesa também que há séria suspeita de que a vítima tenha cometido suicídio (fls. 255/273).

Contrarrazões Ministeriais manifestando-se pelo conhecimento e não provimento do Apelo (fls. 279/285).

Parecer da I. Procuradora de Justiça, Dra. Zenaide Souto Martins, pelo conhecimento e não provimento do Recurso, nos termos das contrarrazões (fls. 290/298).

É o relatório.

  VOTO

O Sr. Desembargador Roberval Casemiro Belinati (Relator): presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do Recurso.

Culpa exclusiva da vítima

Pretendendo a absolvição, a Defesa afirma que o réu não teve a mínima responsabilidade pelo resultado morte, haja vista a ocorrência de culpa exclusiva da vítima, que, sem necessidade e contra ordem superior expressa, saiu do local em que deveria estar e caminhou cerca de 6 ou 7 metros, colocando-se perigosamente na borda da laje, vindo a cair, ou porque se desequilibrou, ou porque se jogou.

Dada a natureza fragmentária do Direito Penal, que só incide excepcionalmente quando os demais ramos jurídicos revelam-se insuficientes, é de se registrar que a eventual violação do réu a normas administrativas e trabalhistas, por si só, não o expõe ao âmbito penal, o que só ocorre se, além dessa violação, vier a cometer crime, ainda que culposo.

Assim, o início da execução da obra sem o Alvará de Construção, o fato de não observar a distância mínima entre o prédio e a rede elétrica da C. e de não fornecer os equipamentos de segurança aos empregados, ou não exigir deles o seu uso, são questões que revelam que o réu pode ter incidido diversas vezes em ilícitos administrativos e trabalhistas, mas não, necessariamente, em ilícito penal, pois pode dar-se a contingência de que nenhuma daquelas omissões tenha sido a causa do evento que vitimou o operário.

Como é cediço, os elementos do fato típico culposo são: a conduta humana voluntária de fazer ou não fazer; a inobservância do cuidado objetivo manifestada na imprudência, negligência ou imperícia; a previsibilidade objetiva; a ausência de previsão; o resultado involuntário; o nexo de causalidade; e a tipicidade.

Segundo o Ministério Público, a conduta humana voluntária e culposa do réu foi omissiva e negligente, no sentido de que não forneceu equipamentos de segurança para o operário, como cinto de segurança, botas e luvas, nem colocou parapeito na beirada da laje. Alega o Parquet, também, que o evento era objetivamente previsível, embora não querido, e que há nexo de causalidade entre a omissão do réu e a queda e morte da vítima.

In casu, a Defesa assevera primeiramente que o evento não era previsível objetivamente, haja vista que não estava sendo realizado nenhum trabalho próximo à beirada da laje. Diz que a função da vítima era carregar tijolos, por meio de escada central, do térreo até a área central da laje localizada no 3º andar. Como não havia motivo nem necessidade de se aproximar da beirada da laje, tendo o operário recebido ordem expressa de se manter afastado desse local, entende que não era necessário colocar parapeito ali, nem era possível a ninguém prever que o operário interromperia o que apenas havia começado a fazer (o transporte dos tijolos) e desobedeceria à ordem do patrão, caminhando de 6 a 7 metros até a borda da laje, e dela cairia.

Assim, conclui a D. Defesa que tampouco há nexo de causalidade.

Como não há compensação de culpas no Direito Penal, cumpre averiguar de quem foi a ação ou omissão que comparece como causa determinante do evento. E a única maneira de saber isso é pela inversão mental das condutas, a fim de verificar se, tomada a conduta omitida pelo réu ou suprimida a conduta praticada pela vítima, o evento ainda assim ocorreria ou deixaria de ocorrer.

No caso, todas as provas demonstram que de fato a vítima recebera ordem de levar tijolos do andar térreo até a 3ª laje, deixando os referidos tijolos na área central dessa laje, perto da escada. A fotografia de fls. 56 mostra que o réu já havia levado alguns tijolos e empilhado naquele local. Mostra também que dali até a beirada da laje há uma distância considerável, de 6 a 7 metros, conforme afirmou o réu, sendo que tal informação pode ser confirmada pelos croquis de fls. 33 e 34.

Assim, resta evidente que, se o operário tivesse se mantido nessa situação, o evento não teria ocorrido.

A vítima já trabalhava há algum tempo na obra, como referem o réu e as testemunhas, e, portanto, sabia dos riscos de se aproximar da beirada da laje, seja pela falta de proteção contra queda, seja pela existência de uma rede elétrica nas proximidades.

A grande dúvida que paira no caso é entender por que razão a vítima suspendeu o que fazia, até então em completa segurança, e caminhou até o local perigoso. Ao que consta, segundo todas as provas, não havia nenhum motivo para fazer isso, de modo que só restam conjecturas para explicar o fato.

E a única conjectura que surge, infelizmente, é a do suicídio.

O MM. Juiz a quo excluiu essa possibilidade, dizendo que “nada há nos Autos que sugira a hipótese de autoextermínio, a qual exige demonstração conclusiva” (fls. 247).

Com a devida vênia, essa assertiva se encontra em total descompasso com a prova dos Autos, pois há provas tanto testemunhais quanto periciais que sugerem a hipótese do autoextermínio.

De fato, a companheira da vítima, L. A. S., ao ser ouvida na delegacia, cerca de 3 meses após os fatos, embora ressalvando não acreditar pessoalmente na hipótese de suicídio, sugeriu que seu companheiro, C., pudesse ter dado cabo da própria vida (fls. 69). Confira-se:

“Que quando C. bebia, dizia à declarante que estava cansado dessa vida e que um dia sairia para trabalhar e não voltaria. Que C. tinha problemas de relacionamento com seu pai, visto que morava na casa deste e, devido ao gosto de C. pela bebida, o pai de C. o pôs para fora de casa”.

Vê-se, assim, que a vítima tinha problemas com bebida e que havia sido expulsa de casa pelo próprio pai. Dizia estar cansada da vida e que um dia não voltaria do trabalho.

Tudo que até aqui ficou dito, inclusive acerca das afirmações da vítima sobre a vontade de se matar, vem corroborado pelas testemunhas A. V. F. F. e M. V. N., que disseram o seguinte:

“(...) Que informa que trabalhava na obra pertencente ao denunciado na época em que C. faleceu; que pouco antes do acidente, coube a C. transportar tijolos da 1ª para a 3ª laje, o que era feito aos poucos em pilhas que ele carregava; que os tijolos deveriam ser depositados no centro da 3ª laje e em ocasião alguma deveria a vítima se aproximar do beiral; que informa que C. não fazia uso de qualquer equipamento de segurança e inclusive utilizava chinelos, os quais foram localizados posteriormente à queda na 3ª laje; que não sabe o motivo pelo qual C. se aproximou do beiral da 3ª laje para não cair; que no período em que o depoente trabalhou para o acusado jamais fez uso de equipamento de segurança como capacetes, botas ou cinto; que o depoente costumava orientar os operários a não se aproximarem de locais perigosos da obra enquanto eles não se mostrassem seguros, mas não sabe dizer se C. foi orientado a não se aproximar da beirada da laje; que tem conhecimento de que a 3ª e última laje do prédio não possuía qualquer anteparo, parede ou apetrecho para segurança dos operários; que o réu costumava frequentar a obra diariamente; que a obra possuía uma engenheira responsável cujo nome não sabe informar; que, pelo que tem conhecimento, a rede elétrica foi colocada ao lado da obra posteriormente ao início da construção; (...); que não sabe informar se, na data do acidente, C. havia consumido bebida alcoólica, mas o depoente, em ocasião anterior, o viu embriagado durante o serviço; que não havia qualquer serviço a ser realizado na beirada da 3ª laje, local de onde a vítima caiu, e, portanto, não havia justificativa para a presença dela naquele local; que tem conhecimento de que a vítima passava por problemas familiares, pois havia sido expulso de casa, juntamente com sua mãe, pelo pai, e, ao que consta, sua esposa não permitia que ele visse a filha adotiva; que em uma ocasião o depoente ouviu C. dizer que iria fazer uma besteira consigo mesmo, não informando mais detalhes” (fls. 204, g.n.).

“Que informa que trabalhou na obra iniciada pelo denunciado até 15 dias antes do óbito de C. e esclarece que, na data indicada na Denúncia, não estava no local; que foi informado de que, pouco antes da queda, C. estava fazendo transporte de tijolos para uma laje superior; que não sabe informar as circunstâncias do acidente e o que provocou a queda; que tem conhecimento de que na época havia equipamento de segurança à disposição dos operários e C. não costumava usar capacetes, pois dizia que o equipamento esquentava a cabeça; que, mesmo sem usar capacete ou equipamento, jamais presenciou C. ser advertido por quem quer que seja; que tem conhecimento de que uma engenheira era responsável pela obra e ela costumava comparecer ao local com frequência; que o nome da engenheira é J.; que, em data anterior ao fato, C. disse que tinha vontade de se matar, pois estava enfrentando problemas familiares; que C. costumava se embriagar e em mais de uma ocasião ingeriu bebida alcoólica durante o serviço; que, mesmo tendo ingerido bebida alcoólica, C. jamais foi dispensado ou advertido; que não ouviu qualquer comentário sobre o fato registrado na Denúncia corresponder a um suicídio. (...); que, pelo que tem conhecimento, não havia qualquer obra na beirada da laje, local de onde a vítima caiu; que pelo que tem conhecimento, a instalação de rede pública de energia foi posterior ao início da obra” (fls. 205, g.n.).

Esses depoimentos merecem credibilidade, haja vista que em muitos aspectos desfavorecem o réu, mormente porque confirmam que ele não exigia o uso de equipamentos de segurança e ocasionalmente permitia que a vítima trabalhasse após ter feito uso de bebida alcoólica.

A prova pericial também, além de não descartar a hipótese de suicídio, sugere-o expressamente, nos seguintes termos:

“5.2 - Dos elementos do local

Observa-se que a posição final do corpo encontra-se afastada cerca de 2 metros da fachada principal (posição dos pés). Nos casos de queda acidental, em geral, o corpo sofrerá precipitação em sentido quase que perpendicular em relação ao ponto final de repouso, ficando ambos os pontos (inicial e de repouso) pouco distanciados, pois em geral não há impulso inicial quando não existem obstáculos entre esses 2 pontos que possam ocasionar a mudança na trajetória até o ponto final de repouso. Por outro lado, nas quedas voluntárias ou criminosas, haverá o impulso inicial, impondo-se uma trajetória oblíqua, a qual leva a um afastamento maior entre o ponto inicial e o final. No caso em questão, existem 2 obstáculos importantes, o 1º correspondendo à rede de energia, composta por uma rede primária, com 3 cabos elétricos dispostos lado a lado no plano horizontal, e uma rede secundária, com 4 cabos dispostos lado a lado no plano vertical e posicionada abaixo da rede primária, e o 2º pela marquise, ambos capazes de gerar mudança importante na trajetória e afastar o corpo da fachada do prédio durante a queda. Também, neste caso, podemos ainda considerar um impulso inicial na queda acidental, pela tentativa da vítima de alcançar qualquer objeto nas imediações ou que visualizou na trajetória, no momento que percebeu que iria cair, não podendo se descartar, contudo, a presença de um impulso voluntário ou mesmo criminal;

6 - Discussão

Encontrava-se C. G. S. na laje superior da edificação em epígrafe quando, em dado momento, sem que se possa esclarecer a razão, dirigiu-se para a borda da laje correspondente à fachada principal do prédio, portando um martelo, e, ali chegando, colocou o martelo sobre o piso, retirou os chinelos e a camisa que vestia (não necessariamente nesta ordem), prendendo-a em uma espera ali próxima, cuja razão também não se pode esclarecer, sendo que, provavelmente durante a realização desta atividade e ao movimentar-se na região junto da beirada da laje, perdeu o equilíbrio, vindo a sofrer queda deste ponto, provavelmente com impulso inicial de reação, e que em sua trajetória tocou na rede aérea de distribuição de energia, localizada abaixo da laje superior e próxima à fachada do prédio, recebendo uma descarga elétrica e tendo sua trajetória alterada em decorrência do contato com a rede elétrica, vindo a cair finalmente na faixa de terra situada entre a calçada do prédio e o tapume de delimitação da obra (...)

7 - Conclusão

Assim, em face do analisado e exposto, concluem os Peritos que, no endereço em epígrafe, a pessoa de C. G. S. sofreu queda da laje superior do prédio em epígrafe e que em sua trajetória tocou na rede aérea de distribuição de energia elétrica, situada abaixo do nível da laje superior e próxima à fachada principal, momento em que experimentou choque elétrico e alteração de sua trajetória, restando finalmente sobre a faixa de terra situada entre a calçada e o tapume da obra, vindo a falecer em decorrência das lesões sofridas, primordialmente pela descarga elétrica.

Concluem os Peritos que no local não foi obedecido o afastamento mínimo entre a edificação e a rede elétrica aérea, conforme estabelecido pela norma ABNT NBR 5434.

Ainda, considerando que se trata de uma obra de edificação de prédio e que a vítima era operário da obra, segundo informações do local, as condições para realização de atividades na laje superior eram inseguras (falta de condições adequadas para o trabalho), dada a ausência de dispositivos de prevenção contra queda de altura nas aberturas existentes (escadas e fossos) e na borda da laje, bem como assinala-se uma atitude insegura realizada pelo operário ao aproximar-se e movimentar-se na borda da laje sem dispositivos de segurança”.

Ainda a reforçar a suspeita de suicídio ou de culpa exclusiva da vítima, por imprudência, as fotografias de fls. 53/55 mostram que ela caminhou até a borda da laje, retirou a camisa e enrolou-a numa haste de ferro (vergalhão), retirou os chinelos e ficou na borda máxima da laje. O chinelo referente ao pé esquerdo, por exemplo, está no limite da borda (fls. 53 e 55). Realmente, não se compreende o que levaria a vítima a se postar em local tão perigoso.

Quanto à omissão do réu em colocar parapeito de proteção na lateral da laje e de não pedir a C. que afastasse os fios elétricos que passavam nas proximidades, tenho que foi irrelevante para o evento trágico. Essa omissão só seria relevante se se concluísse que a vítima caiu acidentalmente num momento em que exercia algum trabalho na lateral da laje. Mas há indicação testemunhal e até pericial de que ela se jogou. E todas as provas demonstram que não havia nenhum trabalho sendo realizado na lateral da laje.

De fato, as fotografias de fls. 36, 37, 43, 44, 45, 46, 52 e 53 mostram que não havia nenhum trabalho sendo executado nas proximidades da lateral da laje, de modo que não havia necessidade de nenhum operário se aproximar desse local. Consequentemente, não havia motivos de preocupação nem com parapeito nem com rede elétrica.

Mesmo sem botas, luvas, capacete e cinto, a vítima estaria viva se continuasse a fazer o que lhe fora determinado, isto é, se apenas transportasse os tijolos até a área central da laje, mantendo-se afastada de sua beirada. Botas, luvas, capacete e cinto, por outro lado, não impediriam a vítima de se jogar da laje, caso ela quisesse fazê-lo.

Em caso de queda acidental, o cinto certamente poderia proteger a vítima. Ocorre que o cinto usado pelos operários da construção civil é preso a um cabo, para evitar quedas quando trabalham sobre uma plataforma, levantando paredes externas. Como a vítima naquele momento estava na função de carregar tijolos, do térreo à laje do 3º andar, fazendo-o por uma escada central, não havia necessidade nem possibilidade de usar um cinto preso a um cabo.

Assim, conclui-se que há dúvida razoável a amparar o réu, haja vista a séria suspeita de suicídio ou de que, ao menos, a vítima agiu imprudentemente, colocando-se na borda da laje e expondo-se por conta própria à queda.

Sobre a necessidade de perquirir a função exercida pela vítima para estabelecer a necessidade ou não de usar determinados equipamentos de segurança, bem como sobre a necessidade de comprovação de nexo de causalidade entre o resultado e a suposta omissão, destaquem-se os seguintes julgados:

“Homicídio Culposo. Agente que não fornece equipamentos de proteção à vítima e não observa normas de segurança do trabalho. Inexistência de comprovação de irregularidades ou anormalidades nas instalações. Condenação. Impossibilidade. Ementa oficial: Homicídio culposo. Negligência. Inocorrência. Absolvição decretada. Não havendo comprovação de irregularidades ou anormalidades nas instalações elétricas que pudessem evidenciar negligência quanto à observância das normas de segurança do trabalho, e tampouco de apontada omissão trabalho, e tampouco da apontada omissão de fornecimento de equipamentos de proteção individual, aqui por ausência da exigência, considerada a função da vítima, inviável se mostra a responsabilização criminal do apelante pelo evento verificado” (Tacrim-SP; Ap nº 1233313/0; 11ª Câm.; Rel. Wilson Barreira).

“Homicídio Culposo. Acidente do trabalho. Proprietário de empreiteira acusado de não ter fornecido ao empregado-vítima os equipamentos de segurança indispensáveis para a prestação dos serviços. Fato que não foi a causa desencadeadora do evento. Absolvição. Necessidade: deve ser absolvido do Crime de Homicídio Culposo o proprietário de empreiteira acusado de não ter fornecido ao empregado-vítima os equipamentos de segurança indispensáveis para a prestação dos serviços na hipótese em que tal fato não tenha sido a causa desencadeadora da morte do ofendido, sendo certo que, para ter relevância jurídica no âmbito penal, o não fornecimento dos equipamentos relacionados à prevenção de acidentes do trabalho deve inserir-se na linha evolutiva do evento” (Tacrim-SP; Ap nº 1214737/1; 11ª Câm.; Rel. Fernandes de Oliveira).

“Homicídio Culposo. Inobservância de regras relativas à segurança do trabalho, que não se inserem na linha evolutiva do evento, ganhando a dignidade de uma das modalidades de culpa strictu sensu. Absolvição. Necessidade: deve ser absolvido das imputações constantes no art. 121, § 3º, com a causa de aumento prevista no § 4º do CP, o agente que deixa de observar regras relativas à segurança do trabalho, que não se inserem na linha evolutiva do evento, ganhando a dignidade de uma das modalidades da culpa strictu sensu, sendo certo que a inobservância de tais regras serve, e bem, se não relacionadas com o delito, para fundamentar punições somente no âmbito administrativo, especialmente em relação à Delegacia de Trabalho, Ministério do Trabalho e demais órgãos” (Tacrim-SP; Ap nº 1231215/1; 11ª Câm.; Rel. Fernandes de Oliveira).

Diante do exposto, conheço do Recurso e dou-lhe provimento para absolver o réu, com base no benefício da dúvida (CPP, art. 386, inciso VII).

É como voto.

O Sr. Desembargador Silvânio Barbosa dos Santos (Vogal): com o Relator.

O Sr. Desembargador Alfeu Machado (Vogal): com o Relator.

  DECISÃO

Dar provimento. Unânime.

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