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Jurisprudências

Direito Administrativo

DIREITO ADMINISTRATIVO

Servidor do município de Uberlândia - Demissão por inassiduidade habitual e abandono do cargo - Faltas decorrentes de alcoolismo crônico - Necessidade de tratamento - Ato de demissão não válido - Pedido julgado parcialmente procedente - Sentença confirmada, no Reexame Necessário, restando prejudicado o Recurso Voluntário - É de se reconhecer a necessidade de tratamento médico especializado ao servidor portador de doença (alcoolismo crônico), não cabendo, in casu, sua demissão, por inassiduidade habitual e abandono do cargo. Inteligência dos arts. 104 e 106 da Lei Complementar Municipal nº 40/1992. Preliminar rejeitada. Sentença confirmada, no Reexame Necessário, restando prejudicado o Recurso Voluntário (TJMG - 1ª Câm. Cível; ACi/ReeNec nº 1.0702.06.278443-5/001-Uberlândia-MG; Rel. Des. Eduardo Andrade; j. 7/7/2009; v.u.).  

 

 

 

  ACÓRDÃO

Acorda, em Turma, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o Relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em rejeitar preliminar e confirmar a sentença no Reexame Necessário, prejudicado o Recurso Voluntário.

Belo Horizonte, 7 de julho de 2009

Eduardo Andrade

Relator

  RELATÓRIO

O Sr. Desembargador Eduardo Andrade: trata-se de Reexame Necessário e de Apelação interposta contra a sentença de fls. 300/305, proferida nos Autos da Ação Ordinária ajuizada por V. E. S. em face do município de Uberlândia.

O Il. Juiz a quo julgou parcialmente procedente o pedido inicial, determinando a reintegração do autor no cargo público municipal efetivo antes exercido, devendo o município requerido providenciar a respectiva licença compulsória para fins de tratamento de sua enfermidade (alcoolismo crônico), sem prejuízo do recebimento do benefício auxílio-doença e, se constatada a impossibilidade de cura, que lhe seja concedida aposentadoria por invalidez.

Condenou ainda o suplicado ao pagamento, ao requerente, dos valores que deixou de receber, a título de remuneração, no período de maio/2002 a março/2006, corrigidos monetariamente, de acordo com os índices da Corregedoria-Geral de Justiça de Minas Gerais, a partir das datas em que deveriam ter sido pagos, acrescidos de juros de mora de 0,5% ao mês, a partir da citação.

Custas processuais em 50% para cada parte, ficando o réu isento de tal encargo e observado o art. 12 da Lei nº 1.060/1950, quanto ao autor. E, quanto aos honorários advocatícios, cada parte deverá arcar com os dos seus respectivos patronos.

Inconformado, o município de Uberlândia, em suas razões recursais de fls. 307/316, requer a reforma da sentença, alegando, em caráter preliminar, sua ilegitimidade passiva e, no mérito, sustenta, em síntese, que: há legalidade na demissão do autor, posto que o mesmo faltou 136 dias no ano de 2001; a equipe de Assistentes Sociais da antiga Diretoria de Recursos Humanos atendeu o ex-servidor por diversas vezes, havendo sua participação nos Alcoólicos Anônimos e, mesmo assim, mostrou-se desinteressado; foi instaurado Processo Administrativo Disciplinar, sendo observadas as garantias constitucionais ao ex-servidor, que inclusive foi acompanhado por Advogado; há registro nos Autos de que a dependência do autor é anterior à sua posse e exercício do cargo, não havendo responsabilidade do município na causa do alcoolismo.

Não houve apresentação de contrarrazões ao Recurso interposto (fls. 317-v).

Desnecessário o envio dos Autos à D. Procuradoria-Geral de Justiça.

Conheço da Remessa Oficial da sentença, em observância ao Duplo Grau de Jurisdição, bem como do Recurso Voluntário, porque se encontram presentes os seus pressupostos de admissibilidade.

Preliminar

Ilegitimidade passiva do município de Uberlândia.

Alega o Município de Uberlândia sua ilegitimidade passiva, ao argumento de que as pretensões de auxílio-doença e aposentadoria somente podem ser deferidas pelo órgão previdenciário, in casu, o Ipremu - Instituto de Previdência do Município de Uberlândia -, autarquia dotada de personalidade jurídica própria, autonomia administrativa e financeira.

A meu juízo, sem razão a municipalidade.

Se o autor era Servidor Público do município de Uberlândia, é evidente que este é parte legítima para figurar no polo passivo da presente demanda, que versa exatamente sobre direito de reintegração ao cargo público municipal.

Certo é que a determinação constante da sentença é afeta às prerrogativas inerentes ao município, para o qual laborava o autor, cabendo à municipalidade, pois, caso confirmada a sentença, encaminhar, como de praxe, o caso do suplicante ao Instituto Previdenciário, para as providências cabíveis.

Rejeito, pois, a preliminar.

Mérito

Compulsando os Autos, verifico que o autor foi demitido por abandono de cargo e inassiduidade habitual, aos termos do arts. 180, incisos II e III, 186 e 187 da Lei Complementar Municipal nº 40/1992 (que dispõe sobre o Estatuto dos Servidores Públicos do Município de Uberlândia, suas Autarquias, Fundações Públicas e Câmara Municipal).

Com efeito, conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial dominante sobre o assunto, ao Poder Judiciário não é lícito avaliar os fatos que teriam sido praticados pelo autor, indicadores de irregularidades disciplinares/inassiduidade habitual no serviço público, e nem se a decisão é justa ou não. Tais matérias são afetas exclusivamente à seara administrativa, incumbindo ao Poder Judiciário examinar a legalidade do ato.

Todavia, verifico também que suas faltas habituais decorreram de doença que acometeu o suplicante, qual seja alcoolismo crônico.

Esse foi o entendimento constante da perícia realizada nos Autos (fls. 292/295), que assim concluiu:

“1 - Qual o estado de saúde do autor, física e mentalmente

Resposta: Ao exame clínico apresenta alterações relatadas na área gastrointestinal, vários acidentes ortopédicos traumáticos, possivelmente decorrentes do estado de intoxicação aguda por álcool, convulsões possivelmente desencadeadas pelo uso abusivo do álcool, memória e concentração prejudicadas, sono prejudicado, alterações de comportamento na intoxicação: hetero-agressividade e sintomas psiquiátricos como paranoias e delírios.

(...)

4 - Pode-se dizer que o autor esteja curado.

Resposta: Não

(...)

1 - Informar quando que ano o paciente foi vitimado pela doença do alcoolismo e se esta é incapacitante.

Resposta: O alcoolismo é uma doença evolutiva e são necessários vários anos para se chegar aos efeitos lesivos sobre as esferas psico-sociais, legais ou físicas. Verificamos sinais de comprometimento maior a partir de 1996, porém o uso se deu a partir dos 18 anos.

2 - Qual a doença de que o autor é portador Se física ou mental.

Resposta: F 10.2 CIDX - Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso do álcool - Síndrome de dependência, com sintomas psicóticos associados na intoxicação.”

Como bem ressaltou o Il. sentenciante,

“o alcoolismo habitual não pode ser considerado falta funcional, mas sim uma doença, conforme dispõe o Código Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde a respeito da síndrome da dependência” (sic, fls. 303).

Da lição de JÚLIO FABBRINI MIRABETE:

“Na embriaguez patológica (psicose alcoólica, demência alcoólica), o agente deve ser considerado à luz do art. 26, já que se trata de doença mental ou perturbação da saúde mental. Distingue-se a demência alcoólica da simples embriaguez habitual. Nesta, não havendo perturbação da saúde mental, o agente é imputável” (Código Penal Interpretado, Atlas, 1999, p. 233).

In casu, uma vez patente o quadro de alcoolismo habitual (embriaguez patológica), é de se adotar o entendimento do Em. Desembargador Geraldo Augusto, quando do julgamento da Apelação Cível de nº 1.0024.99.006259-8/001, que ora colaciono ao presente voto:

“(...) os problemas apresentados pelo apelante haveriam de ser resolvidos na seara médica e não disciplinar, pelo que o motivo que redundou na sua exclusão da PMMG, e a desconsideração da patologia pelo mesmo apresentada importa na invalidade do ato de exclusão, que revela excesso de poder ou ilegalidade.

Não cabe aqui falar-se em punição do Servidor, mas sim em tratá-lo adequadamente de modo a restabelecer, tanto quanto possível, a sua situação funcional, posto que a embriaguez representaria, na hipótese, não um ato voluntário punível, mas um estado patológico que retirou do Servidor a capacidade de se orientar e de dirigir as suas próprias ações, merecendo tratamento especializado e não uma punição em função do vício ou de atos praticados em sua decorrência.”

Posto esse quadro, cabia sim ao município de Uberlândia conferir licença compulsória ao autor, para que o mesmo fosse submetido a tratamento, aos termos dos arts. 104 e 106 da Lei Complementar Municipal nº 40/1992, que assim dispõem:

“Da Licença para tratamento de saúde.

Art. 104 - Será concedida ao servidor licença para tratamento de saúde, a pedido ou de ofício, com base em perícia médica, sem prejuízo da remuneração a que fizer jus, observados os termos da legislação específica.

(...)

Art. 106 - Findo o prazo de licença, o servidor será submetido a nova inspeção médica, que concluirá pela volta ao serviço, pela prorrogação da licença ou pela aposentadoria.”

Dessa forma, outra não poderia ser a conclusão do D. Magistrado primevo, a não ser pela reintegração do autor no cargo público municipal efetivo antes exercido, devendo o município requerido providenciar a respectiva licença compulsória para fins de tratamento de sua enfermidade (alcoolismo crônico), sem prejuízo do recebimento do benefício auxílio-doença.

Quanto ao pagamento de valores que deixou de perceber, em razão de sua demissão, também entendo como correta, não merecendo alteração.

Ensina HELY LOPES MEIRELLES que reintegração é a recondução do servidor ao mesmo cargo de que fora demitido, com o pagamento integral dos vencimentos e vantagens pelo tempo em que esteve afastado, uma vez reconhecida a ilegalidade da demissão em decisão judicial. E como reabilitação funcional que é a reintegração, acarreta, necessariamente, a restauração de todos os direitos de que foi privado o servidor com a ilegal demissão (in Direito Administrativo Brasileiro, 23ª edição, São Paulo, Malheiros, 1998, p. 378).

Nesse sentido:

“Ementa: Administrativo. Servidor Público Estadual. Demissão. Ocupante de cargo efetivo e função comissionada. Anulação. Reintegração. Efeitos financeiros. Restabelecimento do status quo ante. Recebimento dos valores do cargo efetivo e da função comissionada. Possibilidade. 1 - A declaração de nulidade de um determinado ato deve operar efeitos ex tunc, ou seja, deve restabelecer exatamente o status quo ante, de modo a preservar todos os direitos do indivíduo atingido pela ilegalidade. 2 - O servidor público reintegrado ao cargo, em razão da declaração judicial de nulidade do ato de demissão, tem direito ao tempo de serviço, aos vencimentos e às vantagens que lhe seriam pagas durante o período de afastamento, inclusive aquelas referentes à função comissionada que estava ocupando à época. 3 - Agravo Regimental desprovido” (STJ; 5ª T.; AgRg no Ag nº 499312-MS; Rel. Min. Laurita Vaz; j. 3/8/2004; DJU de 30/8/2004).

Com essas considerações, confirmo a sentença, no Reexame Necessário, prejudicado o Recurso Voluntário.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores: Geraldo Augusto e Vanessa Verdolim Hudson Andrade.

Súmula: rejeitaram preliminar e confirmaram a sentença no Reexame Necessário, prejudicado o Recurso Voluntário.

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