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Jurisprudências

Direito Processual Penal

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Habeas Corpus - Processo Penal - Indiciamento - Providência determinada após o oferecimento da Denúncia - Inadmissibilidade - Constrangimento ilegal verificado - Ato administrativo inválido por ausência de sua real finalidade. Constituindo ato que formaliza a suspeita, típico da fase inquisitiva, superada esta fase da persecução penal com o encerramento do Inquérito Policial, o indiciamento após o oferecimento da Denúncia configura coação ilegal. Precedentes desta Corte e do STJ. Ordem concedida (TJSP - 16ª Câm. de Direito Criminal; HC nº 990.09.020307-2- Mairinque-SP; Rel. Des. Almeida Toledo; j. 28/4/2009; v.u.).

 

 

 

  ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes Autos de Habeas Corpus n° 990.09.020307-2, da Comarca de Mairinque, em que é impetrante C. E. L. e paciente G. D. C.

Acordam, em 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “concederam a Ordem para sustar, definitivamente, o indiciamento de G. D. C. v.u.”, de conformidade com o Voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores Décio Barretti (Presidente sem voto), Pedro Menin e Leonel Costa.

São Paulo, 28 de abril de 2009

Almeida Toledo
Relator

  RELATÓRIO

1 - Trata-se de Habeas Corpus, com pedido de Liminar, impetrado pelo Advogado C. E. L. em favor de G. D. C. (RG n° ...), alegando constrangimento ilegal por parte do Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de Mairinque (Processo n° 111/08-controle).

Sustenta, em abreviado, que a paciente foi denunciada por infração ao art. 302, caput, do Código de Trânsito Brasileiro (acidente de trânsito com resultado morte). Quando do recebimento da Inicial, determinou, a autoridade impetrada, a pedido do Ministério Público, fosse efetuado o formal indiciamento da paciente perante a Delegacia onde teve curso o Inquérito Policial. Dizendo ilegal o ato após o recebimento da Denúncia, eis que superada a fase inquisitiva, pugnam, citando precedentes desta Corte e do STJ, em Liminar, pelo sobrestamento do ato, e, no mérito, pela cassação da decisão que o determinou.

A Liminar, para sobrestamento do indiciamento, foi deferida a fls. 24-25.

Prestadas as informações pela autoridade impetrada (fls. 30), a D. Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pela concessão da Ordem.

É o relatório.

  VOTO

2 - A questão acerca do indiciamento do acusado após o oferecimento ou recebimento da Denúncia divide opiniões e deu ensejo a 2 correntes jurisprudenciais, a saber: para a 1ª, 1 - existe abuso de poder, dada a desnecessidade e inutilidade da medida, porquanto encerrado o Inquérito Policial, fase superada da persecução penal que admite e legitima o indiciamento; para a 2ª, 2 - trata-se de providência útil e necessária mesmo após o recebimento da Denúncia, igualando o tratamento daqueles que se encontram na mesma situação processual.

Cuida-se, o indiciamento, de ato complexo praticado no curso do Inquérito Policial, quando sobre a pessoa investigada recaem fortes indícios de autoria. Indiciar significa formalizar a suspeita ante a presença de elementos indicativos da autoria do delito apurado. Diz-se complexo porque constituído, em regra, pelo interrogatório, pela identificação (civil ou criminal) e qualificação do agente, assim como pelo relatório de sua vida pregressa.

Se os atos constitutivos do indiciamento operam-se durante a fase investigativa da persecução penal, superada esta com o oferecimento e recebimento da Denúncia, não há mais razão para a formalização tardia da suspeita. O oferecimento, pelo titular da Ação Penal, de acusação formal, assim como o estabelecimento da relação processual penal, torna dispensável o ato de indiciar.

Como ato administrativo que é, o indiciamento, na hipótese dos Autos, não atende a um dos seus requisitos legais, a finalidade. Como pressuposto de validade, a finalidade figura como o resultado que a administração pretende alcançar com o ato. É a razão jurídica pela qual o ato administrativo é previsto expressa ou implicitamente em lei. Deve, sempre, visar ao interesse público.

Segundo a doutrina administra- tivista, “a finalidade é, assim, elemento vinculado de todo ato administrativo - discricionário ou regrado - porque o Direito Positivo não admite ato administrativo sem finalidade pública ou desviado de sua finalidade específica” (in Direito Administrativo Brasileiro, de HELY LOPES MEIRELLES, Malheiros Editores, 21ª edição, p. 135).

Com efeito, o suspeito, sobre o qual recai prova da autoria da infração, deve ser indiciado. Se existentes meros indícios, desaconselhável o indiciamento, devendo a autoridade policial prosseguir na investigação ou, se já esgotadas todas as possibilidades de coleta de prova, encerrar o inquérito policial, com a remessa dos autos ao Juízo competente, que abrirá vista ao titular da ação penal, e este denunciará, requisitará novas diligências ou pedirá o arquivamento ou, ainda, eventualmente, a extinção da punibilidade.

A rigor, o indiciamento não constitui ato discricionário da autoridade policial, pois deve alicerçá-lo em provas suficientes da autoria. Vincula-se, portanto, à existência de elementos de convicção acerca do envolvimento do investigado na infração penal. Tem por objetivo, enfim, apontar, no curso do inquérito policial, aquele que emerge da investigação como o principal suspeito da prática do crime.

Superada a fase investigativa da persecução penal e inaugurada a instância criminal, o indiciamento, extemporâneo, desvincula-se de sua real finalidade, na medida em que já reconhecida a presença de justa causa para a ação penal pela autoridade judiciária. Configura, nesses termos, ato inválido, pois carente de finalidade.

Segundo já decidiu este Eg. Tribunal, recebida a Denúncia, torna-se desnecessário o indiciamento, “por ausente qualquer finalidade prática, sem esquecer, ainda, que, com a instauração da ação penal, tal fato passará a constar dos registros pertinentes” (HC n° 990.08.012746-2; 11ª Câm. Criminal; Rel. Des. Antônio Manssur; j. 3/12/2008, v.m.).

E também: “A determinação de indiciamento quando já em curso ação penal, pelo recebimento da denúncia, é desnecessária e causadora de constrangimento ilegal. Ordem concedida” (HC n° 990.08.048926-7; 4ª Câm. Criminal; Rel. Des. William Campos; j. 18/12/2008; v.u.).

Esse é o maciço entendimento do STJ: “1 - Recebida a Denúncia, resta desnecessário o indiciamento formal do acusado, que é ato próprio da fase inquisitorial da persecutio criminis, já ultrapassada. Precedentes desta Corte. 2 - Recurso provido para que a ora paciente, sem prejuízo da ação penal a que responde, não seja indiciada formalmente pela suposta prática do crime tipificado no art. 38, caput, da Lei n° 9.605/1998” (RHC n° 20.780-SP; Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª T.; DJ de 28/5/2007).

Nesse sentido: HC n° 84.142-SP (Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 3/4/2008); HC n° 61.033-SP (Rel. Min. Felix Fischer, DJU de 17/12/2007); HC n° 53.536-SP (Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJU 1º/10/2007); HC n° 69.428-SP, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 5/2/2007), entre outros.

Em suma, demonstrada a inutilidade e, portanto, a ilegalidade da providência determinada pela autoridade impetrada, de rigor a sustação definitiva do indiciamento da paciente. 3 - Por tais fundamentos, pelo meu Voto, concedo a Ordem para sustar, definitivamente, o indiciamento de G. D. C., referendada a Liminar.

Almeida Toledo
Relator

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