ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes Autos de Apelação Cível com Revisão n° 296.910-4/3-00, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes A. P. A. e outra, sendo apelados F. R. e outra.
Acordam, em 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “negaram provimento ao Recurso, v.u.”, de conformidade com o Voto do Relator, que integra este Acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores Beretta da Silveira (Presidente, sem voto), Jesus Lofrano e Donegá Morandini.
São Paulo, 10 de março de 2009
Egídio Giacoia
Relator
RELATÓRIO
Trata-se de Ação Reivindicatória promovida por proprietários de 2 imóveis consistentes dos Lotes nos ... e ..., da Quadra ..., do Jardim ..., situados na Rua ..., nesta Capital, em face dos vendedores que continuaram na posse dos bens. Estes, em Reconvenção, aduziram que as vendas serviram para garantir dívida da empresa do réu para com a do autor, pactuando-se cláusula de retrovenda.
Ante a quitação da dívida, pretendem os réus-reconvintes a outorga da escritura de retrovenda. A Ação foi julgada procedente, com improcedência da Reconvenção, nos termos da r. sentença de fls. 281/285, cujo Relatório adoto.
Apelam os réus-reconvintes alegando, em preliminar, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa em face do julgamento antecipado da lide, deixando-se de produzir prova pericial contábil e oral. Insiste em apontar defeitos na Petição Inicial, deixando de individuar os imóveis, como devido. A Escritura de Venda e Compra foi precedida de Contrato Particular com Pacto de Retrovenda, através do qual houve a garantia de dívida da empresa do apelante em face da aquisição de mercadorias da empresa do recorrido, tanto que neste documento foram incluídos correção monetária e juros. O débito desdobrado em 32 parcelas quinzenais foi pago com endossos de duplicatas emitidas pela empresa do recorrente em favor da firma do recorrido, deixando este de cumprir o pacto de retrovenda dos imóveis. Reportou-se à existência de declaração entre as partes e acordo firmado em 8/11/1999. Reiteraram os termos da Reconvenção, insistindo no cumprimento pelo apelado do “Contrato Particular de Retrovenda e Outras Avenças”, pelo que se impõe a procedência do pedido reconvencional.
Recurso tempestivo e preparado, foi recebido em seu duplo efeito.
Respondem os autores-reconvindos, firmando pela manutenção integral da r. sentença guerreada.
É o Relatório.
VOTO
De proêmio, necessário afastar o alegado cerceamento de defesa arguido pelos apelantes. Na hipótese, a farta documentação encartada nos Autos pelas partes permitia o pleno conhecimento da controvérsia, de molde a autorizar o julgamento antecipado da lide na forma prevista no inciso I do art. 330 do CPC, não se mostrando razoável e mesmo necessária a dilação probatória requerida pelos réus-reconvintes. Também não prospera o alegado defeito da Inicial, que contém a descrição minuciosa dos imóveis objeto da Ação, trazendo inclusive a documentação imobiliária respectiva (fls. 03-04 e 16/22).
Tocante ao mérito, o Recurso não prospera. Com efeito, cuida-se de Ação Reivindicatória e os autores bem demonstraram que são proprietários dos imóveis reivindicados. A propósito, fizeram prova dos registros de propriedade em seus nomes junto ao 12° Ofício do Registro de Imóveis da Capital, a teor do R. n° ..., da Matrícula n° ..., e R. n°..., da Matrícula n° ..., fundados na Escritura Pública de Venda e Compra, lavrada junto ao 7º Tabelião de Notas da Capital, tendo como outorgantes vendedores A. P. A. e sua mulher, N. F. A., figurando os apelados F. R. e sua mulher, E. B. M. R. como outorgados compradores. Ao ato compareceram também como intervenientes o Sr. N. R. e sua mulher, gerando a inscrição de cláusula de incomunicabilidade (fls. 09/22).
Em resposta, os réus-reconvintes deveriam demonstrar de forma concreta a legitimidade de sua posse sobre os imóveis.
Nesse sentido, releva destacar que a posse injusta a que se refere o art. 524 do CC/1916 é aquela que contrarie o domínio do autor, não sendo necessário seja oriunda de violência, clandestinidade ou precariedade, bastando, para tanto, que o possuidor não tenha o direito de possuir a coisa, pois posse injusta não é somente aquela que se macula pelos vícios apontados pelo art. 489 do CC/1916, mas também aquela cuja aquisição está em antagonismo com o direito de propriedade. Neste sentido: “TJSP; ACi n° 33.729-4-SP; 10ª Câm. Direito Privado; Rel. Ruy Camilo; j. 28/4/1998; v.u. Lex nº 207/158”. No mais, para a procedência da Reivindicatória, basta que fique comprovado o domínio do autor e a posse sem justo título do réu. Este o entendimento do STJ, v.g.: ”Agravo Regimental. Reivindicatória. Inviável declarar-se a nulidade de título de domínio quando os fatos a ele oponíveis derivam de relação jurídica com terceiro, estranho à Ação” (AGA n° 244266-SP; Rel. Min. Eduardo Ribeiro; DJ de 28/2/2000). Assim também já julgou esta 3ª Câm. de Direito Privado; v.g.; Ap nº 466.671.4/5-00-Bauru; Rel. Des. Beretta da Silveira.
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Em contraposição ao título de domínio dos autores, em que fundada a Ação Reivindicatória, ofereceram os réus resposta por meio de Contestação, promovendo também pedido reconvencional fundado em Instrumento particular com pacto de retrovenda, alegando a existência da quitação de dívida garantida pela escritura definitiva dos imóveis passada aos autores, relacionada com transações entre pessoas jurídicas de propriedade das partes.
Fundamentaram a Reconvenção na alegação de que firmaram com os autores um “Contrato Particular de Retrovenda e Outras Avenças”, em que, após liquidada a importância de R$ 110.000,00, assim estipulada na Cláusula 6ª deste Instrumento, estaria o comprador (F. R.) obrigado a revender ao vendedor (A. P. A.) os imóveis objetos do contrato (Cláusula 1ª). O valor acima referido seria por conta de uma dívida de R$ 75.000,00 (considerada em outubro/1996), decorrente de aquisição de mercadorias pela empresa de A. (A. P. A. - ME) da firma do apelado (N. I. C. L. Ltda.) acrescida de R$ 35.000,00 com inclusão de correção monetária e juros (assim, os R$ 110.000,00 seriam pagos em 32 parcelas quinzenais, segundo o documento particular). Contudo, tanto na impugnação à Contestação como na resposta à Reconvenção, os autores-reconvindos impugnaram as razões dos réus aduzindo que a cláusula de retrovenda não poderia operar-se tendo em vista que, ao contrário do aludido pelo vendedor, não houve pagamento algum a favor do comprador (apelado).
De fato, do exame da farta documentação apresentada pelos apelantes (fls. 116/169), o que se apresenta são documentos mercantis relacionados à pessoa jurídica S. I. C. L. A. direcionando relação de duplicatas e notas fiscais à empresa N. I. C. Ltda., da qual faz parte o apelado. Ainda que se pudesse considerar que as referidas empresas fossem de propriedade dos apelantes e apelados, ou que ocorreram endossos de títulos para a empresa N., os fatos não poderiam sustentar a versão dos apelantes. Com efeito, como muito bem-examinado pelo D. Magistrado, o “Contrato Particular de Retrovenda e Outras Avenças” foi firmado entre pessoas físicas (A. P. A. e F. R. - fls. 112/115), sem qualquer menção ou referência a dívidas entre pessoas jurídicas (vide sentença - fls. 283-284).
Na hipótese dos Autos, considerando a relação jurídica envolvendo pessoas físicas signatárias do documento particular de fls. 112/115, não há que se falar em vício do ato jurídico consubstanciado em fraude ou simulação.
Em Voto proferido na Apelação n° 242.535.4/1-00, o Il. e culto Desembargador Beretta da Silveira discorreu com propriedade sobre o tema: “No dizer de BEVILÁQUA, a simulação é uma declaração enganosa da vontade, visando produzir efeito diverso do ostensivamente indicado (CLÓVIS BEVILÁQUA, Código Civil). Negócio simulado, portanto, é aquele que oferece uma aparência diversa do efetivo querer das partes. Estas fingem um negócio que na realidade não desejam.
Na simulação, na realidade, existem 2 negócios jurídicos: o simulado e o dissimulado. ‘As partes’, como ressalta TERESA LUSO SOARES (A Conversão do Negócio Jurídico. Coimbra: Livraria Almedina, 1986), ‘realizam um negócio real (dissimulado) diferente daquele que aparece exteriormente. O negócio simulado - na expressão de FERRARA - serve de máscara ao negócio realmente celebrado: é como uma etiqueta falsa, como um fantasma que se exibe ao público para afastar a atenção do acto verdadeiro que se quer manter oculto‘ (p. 75)”.
Já que particular o documento firmado entre as partes, não haveria razão plausível para ser omitida eventual relação de débito entre pessoas jurídicas.
Em razão do teor das obrigações constantes do documento particular de fls. 112/115, o normal seria que os interessados fizessem referência à origem do débito como decorrente de eventuais relações entre as mencionadas pessoas jurídicas. Entretanto, preferiram nada mencionar a respeito, inclusive sobre a forma de pagamento, não obstante o escalonamento das parcelas da dívida e consequências do inadimplemento (Cláusulas 6ª e 7ª - fls. 113-114). No mínimo, o alegado ajuste de quitação da dívida por meio do endosso de duplicatas deveria ter sido previsto.
Inviável, em razão da natureza do negócio firmado, pretender a esta altura alegar existência de acordo verbal entre as partes (item 6 - fls. 172), de molde a justificar que as prestações seriam quitadas pelas pessoas jurídicas com remessa de duplicatas de emissão da firma individual do reconvinte em favor daquela do reconvindo.
De outra parte, tem-se como superada, em razão das considerações acima, a discussão em torno da autenticidade da declaração lavrada pelos apelantes, assumindo a inadimplência das obrigações para com os apelados (fls. 23-24), o mesmo ocorrendo no que diz respeito à alegada anterioridade daquela declaração em relação à desistência das partes quanto ao Processo n° 1.161/99 (fls. 88-89), pois o referido acordo permitiu tão somente a extinção do Processo, sem resolução do mérito, não atingindo o direito material das partes.
Dessa forma, de rigor a manutenção da r. decisão guerreada, com a procedência da Ação Reivindicatória, mantida a improcedência da Reconvenção, resolvendo-se o direito real em favor dos titulares de domínio dos imóveis. Em suma, como considerado pelo Magistrado, “... a escritura pública fala por si - fls. 09/13 -, inclusive quanto à quitação do preço” (fls. 285). Eventuais questões de natureza obrigacional entre pessoas jurídicas que, repita-se, não participaram do negócio firmado entre as pessoas físicas destes Autos poderão ser solucionadas pelos meios próprios previstos em lei. Ante o exposto, pelo meu Voto, nego provimento ao Recurso.
Egídio Giacoia
Relator
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