ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes Autos em que são partes as acima identificadas.
Acordam os Desembargadores que integram a 3ª Câmara Cível deste Eg. Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento aos Recursos de Apelação.
RELATÓRIO
Trata-se de Apelação interposta pela U. N. S. C. T. M., em face da sentença da Juíza da 15ª Vara Cível da Comarca de Natal, que, nos Autos da Ação Anulatória de Ato Jurídico c.c. Indenização por Danos Morais e Materiais nº 001.07.233308-2, julgou parcialmente procedente o Pedido para: a) anular o negócio jurídico celebrado entre as partes, com efeitos a partir da sentença, devendo ser restabelecido pela demandada o contrato vigente ao tempo em que forçou sua alteração perante o consumidor; e b) negar a reparação por danos morais, bem assim a restituição do que foi pago pela adesão ao sistema de coparticipação (fls. 115/119 e 126).
Mencionado decisum, em face da sucumbência recíproca, impôs a cada uma das partes arcar com o rateio das custas processuais e os honorários de seus patronos.
O 1º apelante (U. N.), reiterando as suas razões aduzidas na contestação, defendeu que (fls. 129/139): 1 - o recorrido firmou, inicialmente, Contrato de Prestação de Serviço Médico e Hospitalar com a recorrente antes da vigência da Lei nº 9.656/1998, cuja cobertura era restrita, não lhe assegurando um rol extenso de procedimentos médicos; 2 - estão presentes todas as condições de validade do negócio jurídico, enumeradas no art. 104 do CC, eis que o recorrente é homem experiente, detentor de conhecimento acerca das consequências da assinatura de um contrato; 3 - o tão só fato de se encontrar o contratante nas dependências de um hospital não lhe retira o devido discernimento para externar sua livre manifestação de vontade; 4 - não restou demonstrado o estado de perigo alegado, mas sim exercício regular de direito, apoiado no dever de informar ao consumidor da possibilidade que lhe assiste de migrar para um plano de saúde mais amplo; 5 - não pode dar ao apelado a oportunidade de restabelecer o contrato antigo junto à C. nos mesmos termos daquele, eis que o anterior fora firmado antes do advento da Lei nº 9.656/1998.
Requereu, ao final, o conhecimento e provimento do Recurso, prequestionando dispositivos da Lei nº 9.656/1998 e da CF.
O 2º recorrente (A. L. C.), por sua vez, alegou que (fls. 142/150): 1 - são evidentes os danos sofridos em virtude da forma arbitrária com que agiu a apelada; 2 - os danos materiais são incontestes, em razão dos valores pagos a maior, enquanto vigente ainda o contrato cuja nulidade foi reconhecida em sentença; 3 - é impossível não visualizar os sentimentos experimentados, por ter sido compelido a assinar um contrato visivelmente oneroso, num momento de extrema fragilidade.
Por derradeiro, pugna pelo conhecimento e provimento do Recurso, apenasmente quanto aos danos morais e materiais suportados.
Contrarrazões ofertadas apenas pelo 2º apelante (A. L.), a fls. 154/161, e, pelo 1º recorrente (U. N.), a fls. 162/172.
A 6ª Procuradoria de Justiça manifestou desinteresse na lide (fls. 176-177).
É o relatório.
VOTO
Consoante relatado, cuida-se de 2 Recursos Voluntários manejados pela U. N. (demandada) e por A. L. C. (demandante). Para uma melhor compreensão da controvérsia, passo a desmembrar os respectivos votos.
Da Apelação interposta pela U. N.
Conheço do Recurso.
Cinge-se a irresignação recursal quanto à existência ou não de vício de consentimento (estado de perigo) na formalização de contrato de seguro mais oneroso, celebrado com o demandante em leito de hospital, quando necessitou se submeter a procedimentos cirúrgicos (cateterismo e angioplastia).
Sem razão o apelante.
À hipótese dos Autos deve ser aplicado o CDC, haja vista que a relação jurídico-material estabelecida entre as partes litigantes é dotada de caráter de consumo, porquanto o apelante figura como fornecedor de serviços, ao passo que o apelado se apresenta como destinatário final destes.
Em decorrência dessa referência consumerista, cumpre asseverar, também, que cabe ao Poder Judiciário intervir no trato negocial para devolver às partes o equilíbrio determinado pela lei, atendendo-se, sobretudo, à função social dos contratos.
Ou seja, ainda que se encontre determinada no instrumento da avença a incidência de determinado preceito negocial, o instrumento contratual pode ser discutido judicialmente, no afã de se aquilatarem os direitos e obrigações acertados no pacto, impedindo o surgimento de vantagens desproporcionais e impedindo-se que venha qualquer das partes a sofrer prejuízo.
No caso dos Autos, insta ressaltar que o ajuste contratual entre apelado e apelante perdurava há mais de 20 anos quando sofreu um infarto, em 1º/8/2007, tendo que passar por vários procedimentos médicos.
Nesse contexto, o apelado viu-se acometido de doença cardíaca, cujo tratamento demandou a necessidade de intervenção cirúrgica de urgência, com implante de 2 stents em sua artéria e, posteriormente, uma angioplastia e um cateterismo (fls. 15).
Todavia, durante o período em que estava internado, com quadro bastante delicado de saúde, submetendo-se a exames e avaliações clínicas, o apelado foi abordado por uma funcionária da empresa, que o compeliu a migrar para um contrato mais oneroso, na modalidade de coparticipação.
O certo é que, ao modificar o instrumento contratual, passando de uma mensalidade no valor de R$ 343,59 para R$ 431,55, o apelado encontrava-se numa situação bastante complicada, temerário que o plano de saúde negasse posteriores atendimentos que, sem dúvida, seriam imprescindíveis.
Nessa conjuntura, insta apreciar se houve vício no consentimento da parte apelada na contratação do novo plano de seguro de saúde, com maior abrangência, e, em decorrência, valor mensal mais elevado.
Malgrado o apelante fundamente seu pedido de reforma na suposta presença de todas as condições de validade do negócio jurídico, enumeradas no art. 104 do CC, bem assim na irrelevância de o apelado encontrar-se em leito hospitalar, sopesando os direitos em confronto, verifica-se a coerência da sentença recorrida.
Validamente, resta demonstrada no corpo dos Autos a negativa da empresa recorrente em oferecer ao apelado o tratamento médico apropriado para a composição efetiva da moléstia que o acometia, sob o argumento de que o contrato existente não alcançava a especialidade terapêutica recomendada.
Como solução alternativa, possibilitou-se ao recorrido sua adesão ao plano de assistência de maior abrangência, com a garantia de que a intervenção cirúrgica seria, de imediato, autorizada.
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Noutros termos, evidencia-se que, somente pela adesão ao novo plano de seguro saúde, de maior abrangência e preço, seria assegurado ao apelado obter a garantia do fornecimento dos serviços médicos necessários à época.
Nessa égide, conclui-se que a própria condição pessoal do apelado não o colocava em condições de exercer, livremente, qualquer escolha acerca da modalidade contratual a ser pactuada, podendo-se inferir que o novo Contrato se perfez sob verdadeiro estado de perigo.
Assim, incontestavelmente, resta configurado o estado de perigo, nos termos do que dispõe o art. 156 (art. 156 - Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa) do CC, eis que o autor assinou um Termo Aditivo ao Contrato de Plano de Saúde, apenas em decorrência da necessidade de salvar sua vida.
A propósito, calha transcrever trechos elucidativos da Juíza monocrática:
“(...) Dentro desse prisma, pode-se concluir que a pessoa que está em leito de hospital, submetendo-se a exames e avaliações médicas, com quadro delicado, que lhe afeta função vital, está física e emocionalmente mais fragilizada que outra que esteja em seu ritmo normal de vida (casa-trabalho-lazer).
Desse modo, pode-se deduzir que o demandante, internado em hospital, sob tratamento, quando aceitou transferir o plano de saúde para modalidade diversa, com custo maior e exigida a coparticipação, o fez na esperança de salvar-se, crendo, muito provavelmente, que se assim não o fizesse, padeceria outras dificuldades perante a operadora, como, por exemplo, negativa de autorização a procedimentos e/ou exames, que, para si, naquele instante, seriam indispensáveis. Era natural esse temor e, para combatê-lo, aceitou onerar-se mediante a celebração de novo Contrato (...).”
Nessa linha de raciocínio, atento à realidade fático-jurídica que os Autos retratam, verifica-se, in concreto, a presença de todos os caracteres que permitem identificar o estado de perigo, apto a viciar o consentimento do apelado.
Sobre o elemento objetivo para a configuração do “estado de perigo”, nota-se presente na averiguação da onerosidade excessiva da obrigação assumida pela parte, em decorrência da contratação dos novos serviços.
Observa-se que a prestação do plano de saúde teve uma substancial elevação sobre o Contrato antes firmado, vindo as parcelas mensais a consolidar valores com acréscimo inclusive da modalidade de coparticipação.
Assim, infere-se que o apelado, na iminência de perder a vida, assinou novo Contrato de Plano de Saúde, bem mais oneroso, sob manifesto vício de consentimento.
Por outro lado, a recorrente, aproveitando-se da situação frágil e delicada em que se encontrava o paciente (apelado), pela formalização do novo negócio, obteve indevida vantagem econômica.
Preenchidos, desse modo, todos os requisitos que permitem identificar a ocorrência de estado de perigo no momento de contratação do novo plano de seguro de saúde, dessume-se que a sentença recorrida, que declarou a nulidade desta avença, não merece reforma.
In casu, constata-se a abusividade no condicionamento da realização da intervenção cirúrgica, com aplicação do aparelho stent, ao procedimento de migração para novo Contrato, sendo este mais oneroso, gerando um desequilíbrio contratual e colocando o consumidor em desvantagem exagerada.
Neste pórtico, é flagrante a nulidade do 2º contrato firmado entre as partes, devendo, conforme determinado pelo Juízo a quo, prevalecer os valores contratuais avençados primeiramente.
Por conseguinte, evidente que a sentença atacada revestiu-se da devida prudência ao determinar a obrigação do autor de efetuar o pagamento de suas mensalidades em atendimento ao plano de seguro de saúde considerado válido - 1º contrato -, observados os índices anuais de reajuste aplicados a contratos correlatos, como também as regras contratuais que permitem a majoração das parcelas com parâmetro em caracteres etários do usuário.
Desta feita, inexistem razões para a reforma pretendida.
Ante o exposto, desprovejo o Apelo da U. N.
Da Apelação aviada por A. L. C.
Também conheço deste Recurso.
Cinge-se a controvérsia à análise de 2 pontos: 1 - a existência de danos materiais, em razão dos valores pagos a maior enquanto vigente o contrato, cuja nulidade fora reconhecida somente por sentença; 2 - a existência de danos morais.
No tocante aos materiais, não merece acolhimento o inconformismo.
É que, embora a alteração do Contrato pela apelada tenha se revestido de vício de consentimento, como demonstrado acima, o fato é que o novo pacto avençado trouxe ao apelante cobertura de maior abrangência, pelo menos durante aquele período em que estava vigente.
Isso porque, quando o beneficiário necessitou de internação de emergência, sendo atendido de pronto para a implantação de stents, sob pena de dano irreparável à sua saúde, tal procedimento não teve a cobertura negada pela apelada, embora tenha condicionado os atendimentos posteriores à migração para um novo plano.
Quanto aos danos morais, conquanto o novo Contrato tenha sido assinado sob pressão da empresa apelada, numa atitude extremamente indelicada, numa situação de aflição psicológica e de angústia do segurado, é de se registrar que o apelante teve pronto atendimento, desde o dia em que chegou ao hospital e durante os 4 dias em que ficou internado, vindo a sofrer apenas mero aborrecimento.
Nesse sentido, mais uma vez acertadamente decidiu a Juíza a quo: “(...) No que tange à indenização por danos morais, o novo CC, no art. 927, é expresso nos seguintes termos: ‘Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo’. Destarte, um dano apenas será passível de indenização se preencher os 3 requisitos previstos no CC brasileiro, quais sejam: o ato ilícito decorrente da conduta do réu (ação ou omissão), o dano sofrido pela vítima e o nexo de causalidade entre este e o primeiro. Sopesadas todas as questões suscitadas alhures, torna-se cabível concluir quanto à ausência de comprovação do dano sofrido pela vítima, vez que, apesar do vício de consentimento no negócio jurídico, o autor teve pronto atendimento, não acarretando danos à sua saúde, causando apenas aborrecimentos (...)”.
À vista do exposto, desprovejo o Recurso.
Natal, 27 de maio de 2010
Vivaldo Pinheiro
Presidente
Saraiva Sobrinho
Relator
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