DIREITO DE FAMÍLIA
Direito de Sucessão - Inventariante - Dever de Conservação dos Bens - Ausência de provas de depreciação do patrimônio - União Estável reconhecida pelos herdeiros - Aplicação do art. 1.725 do CC - Regime da Comunhão Parcial de Bens - Equiparação constitucional da companheira à cônjuge - Direito à meação dos bens - Ausência de bens não onerosos - Reforma parcial da sentença - Nos moldes dos arts. 991 e 992 do CPC, é dever do inventariante zelar pelos bens do Espólio, devendo promover, sempre que necessário, todas as diligências para manutenção do patrimônio, evitando sua desvalorização e depreciação. Reconhecida a União Estável pelos herdeiros, a companheira equiparada constitucionalmente a cônjuge participa do Inventário na condição de meeira do de cujus, nos bens adquiridos na constância da união a título oneroso. Se há somente bens onerosos, a companheira concorrerá no Inventário na condição de meeira, sendo que a cumulação de meeira e herdeira somente ocorre na hipótese de concorrência de bens comuns e particulares (TJMG - 6ª Câm. Cível; ACi nº 1.0596.04.018852-3/001-Santa Rita do Sapucaí-MG; Rel. Des. Sandra Fonseca; j. 30/3/2010; v.u.). |
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ACÓRDÃO Acorda, em Turma, a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador Ernane Fidélis, incorporando neste o Relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em dar provimento parcial. Belo Horizonte, 30 de março de 2010 Sandra Fonseca Relatora RELATÓRIO A Sra. Desembargadora Sandra Fonseca: trata-se de Apelação Cível interposta por ... e outro em face da sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Vara da Comarca de Santa Rita do Sapucaí que, nos Autos do Inventário dos bens deixados por ..., homologou a partilha universal de fls. 836/866. Em suas razões recursais de fls. 1048/1066, os apelantes requerem, inicialmente, a apreciação dos Agravos Retidos de fls. 500/511 e 968/980. Afirmam que, por existir nos Autos herdeiro incapaz, não poderia a inventariante vender bens do Espólio sem autorização judicial, bem como não poderia apropriar-se de alugueres de apartamentos. Alegam que a inventariante vem se esquivando de juntar original ou cópia autenticada do Instrumento Particular de Compra e Venda, e destacam a indevida apropriação de valores depositados em contas bancárias e investimentos do de cujus. Dissertam sobre a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC, tendo em vista a equiparação da companheira e da cônjuge para fins sucessórios, sendo, portanto, indevida a cumulação da condição de meeira e herdeira. Por fim, requerem, na eventualidade, que a companheira tenha direito à metade do que couber a cada um dos herdeiros necessários. Contrarrazões a fls. 1070/1088, requerendo o desprovimento do Recurso. Parecer da D. Procuradoria-Geral de Justiça a fls. 1095/1104, opinando pelo parcial provimento do Recurso, por entender que o companheiro não pode cumular simultaneamente a condição de meeiro e herdeiro. Conheço do Recurso, porquanto presentes os pressupostos de admissibilidade. VOTO Inicialmente, passo ao exame dos Agravos Retidos constantes a fls. 500/511 e 968/980. 1 - Agravo Retido No 1º Agravo Retido os agravantes questionam, primeiramente, a falta de intimação para se manifestarem sobre a cota ministerial, o que porventura poderia ocasionar uma decisão distinta da exarada pelo MM. Juiz a fls. 459/460. Ocorre que não existe previsão legal no ordenamento jurídico que obrigue a intimação das partes para manifestação sobre a quota ministerial. Na verdade, o Parecer do Parquet foi justamente a respeito de um requerimento dos apelantes, não havendo que falar em manifestação para possível modificação da decisão. Além disso, por se tratar de um pedido dos herdeiros, após o Parecer do Il. membro do Ministério Público, nada mais correto que a intimação da inventariante para manifestar-se a respeito. No que tange à homologação das contas, melhor sorte não resta aos agravantes, pois, como decidido em 1ª Instância, foram acostados aos Autos todos os documentos que comprovam a venda do veículo e das cabeças de gado, bem como a reversão do lucro obtido na venda em gastos do Espólio. A comprovação da venda e da utilização do valor obtido nas despesas com manutenção e conservação dos bens do Espólio encontra-se a fls. 273/296. Além disso, cumpre esclarecer que o veículo objeto da venda questionada encontrava-se no nome da inventariante e não no do de cujus, sendo certo que, para a venda, ela não necessitava de autorização judicial. Tal fato comprova a boa-fé da inventariante. Com relação à exclusão da inventariante como meeira do apartamento localizado em São Paulo, por ter a inventariante constituído União Estável com o falecido no ano de 1979, ou seja, anterior à data de aquisição do imóvel, é forçoso reconhecer seu direito à meação do referido bem. Na verdade, em nenhum momento os recorrentes insurgem-se contra o reconhecimento da União Estável, discordando apenas da data de início. A data de constituição da referida união foi devidamente comprovada através do documento de fls. 06, no qual o de cujus afirma que vive em comunhão estável com a inventariante desde 1979, tendo o referido documento sido registrado no Cartório de Registro Civil da Comarca de Santa Rita do Sapucaí. Com relação ao Contrato de Compra e Venda, sua cópia encontra-se nos Autos a fls. 215/219, estando a mesma devidamente autenticada. A respeito da contratação de empregados, é cediço que, para manutenção do patrimônio com zelo e cuidado esperado, se faz necessária a conservação do mesmo. Assim, andou bem o MM. Juiz ao autorizar a contratação de empregado para cuidar de bens do Espólio, mormente se restou determinado que o valor não poderia ultrapassar 1 Salário-Mínimo. Ora, não há que se falar que incumbe à inventariante arcar com as despesas provenientes da conservação do imóvel, pois este não a pertence, e sim ao Espólio. Por fim, com relação à forma como a partilha foi realizada, tal fato se confunde com o mérito do Recurso, motivo pelo qual deixo de apreciá-lo em sede de Agravo Retido. Dessa forma, ante as razões ora expostas, nego provimento aos Agravos Retidos. 2 - Mérito No mérito, os apelantes discorrem, novamente, sobre a ilegalidade da venda do veículo ... e de 4 cabeças de gado, e sobre a ausência de cópia autenticada do Instrumento Particular de Compra e Venda. Contudo, tais questões já foram dirimidas quando da apreciação do Agravo Retido, tornando-se impertinente a sua repetição. Com relação à apropriação pela inventariante dos alugueres do apartamento localizado na Comarca de São Paulo e dos valores depositados em contas bancárias e investimentos, segundo consta dos Autos, não houve qualquer irregularidade na administração dos bens do Espólio pela inventariante, senão vejamos: Segundo a regra dos arts. 991 e 992 do CPC, incumbe à inventariante, dentre outros, a administração do Espólio, cuidando dos bens com a mesma diligência como se seus fossem, pagar dívidas do Espólio, bem como fazer as despesas necessárias com a conservação e o melhoramento dos bens. Dessa forma, é dever da inventariante zelar pelos bens do Espólio, devendo promover, sempre que necessário, todas as diligências para manutenção do patrimônio do Espólio, evitando sua desvalorização e depreciação. No caso dos Autos, verifica-se que a inventariante depositou corretamente os valores dos aluguéis na conta do Espólio, descontando, contudo, desse valor o pagamento do salário do empregado e despesas necessárias para conservação dos bens. A prova do pagamento das despesas são os documentos acostados a fls. 680/704. Com relação aos valores depositados em conta-corrente e conta investimento, segundo se verifica dos documentos de fls. 770/807, grande parte foi utilizada para pagamento das despesas médico-hospitalares do de cujus e para pagamento do ITCD, salários de funcionários, INSS, luz, contador, produtores agropecuários, despesas com construção, IPTU, dentre outras. Na verdade, compulsando detidamente aos Autos, verifica-se que os apelantes tentam realmente tumultuar o presente Processo, pois repetiram as mesmas razões de irresignação durante todo o processado, mesmo após diversas manifestações da inventariante elucidando os fatos, comprovando suas alegações por documentos, e de diversas decisões do MM. Julgador e de Pareceres do membro do Ministério Público, no mesmo sentido. Ora, além das diversas e repetitivas manifestações, os apelantes em diversos momentos simplesmente requereram a prorrogação de prazo para se manifestarem em virtude de problemas de saúde dos seus Procuradores. |
Assim, entendo que não houve qualquer irregularidade na conduta da inventariante, devendo a sentença de 1º Grau ser mantida. Com relação à inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002, tenho que a sua arguição no presente momento não procede, pois o questionamento dos recorrentes é tão somente com relação à cumulação da condição de meeira à herdeira da inventariante, não sendo preciso declarar a inconstitucionalidade ou constitucionalidade do citado artigo para esse fim. Sobre a condição de meeira, cumpre tecer os seguintes comentários: Com o advento da CF/1988, a União Estável passou a ser reconhecida como entidade familiar a merecer proteção do Estado, devendo a lei facilitar sua conversão em Casamento. Dessa forma, verifica-se que a Constituição equiparou a figura do cônjuge à do companheiro, pois o legislador constitucional sedimentou que ambas são entidades familiares respaldadas no afeto, no respeito e na compreensão mútuas. A principal diferença entre a União Estável e o Casamento é a questão da formalidade, pois o Casamento é reconhecido através do assento feito em cartório com data fixa de constituição, ao passo que a união se forma na sociedade e necessita de provas para estabelecer a data de seu início e fim. A princípio, o legislador constituinte do CC/2002 sinalizou que aplicaria a equiparação quando reconheceu que, assim como o cônjuge, os companheiros que não optarem de forma expressa por outro regime de bem serão regidos pelo da Comunhão Parcial, qual seja, quando da separação do casal, os conviventes terão direito à partilha de bens adquiridos onerosamente na constância da união. Tal fato se dá pela interpretação gramatical do art. 1.725 do CC/2002, no qual se tem que os casais que convivem em União Estável possuem, em regra, o Regime de Comunhão Parcial de Bens. Contudo, com relação à sucessão, mesmo com a equiparação da figura do cônjuge à do companheiro para partilha de bens em vida, o CC/2002, em dissonância com o ditame constitucional e com as orientações doutrinárias e jurisprudenciais, nada menciona a respeito da meação da companheira. Ora, se a companheira recebe, quando se separa de seu convivente, o direito à meação, entende-se que esse direito também ocorre na hora da morte. Na verdade, tem-se que, com a equiparação do companheiro ao cônjuge pela Constituição, não seria permitida outra interpretação senão a de reconhecer a companheira como meeira para fins sucessórios, sob pena de ferir o Princípio da Igualdade perpetrado pelo nosso ordenamento jurídico. Nesse sentido, é o entendimento doutrinário: “(...) argumenta-se que as famílias assentadas na União Estável ou no Casamento são idênticas nos vínculos de afeto, solidariedade e respeito. A diferenciação entre elas se dá pelo modo de sua formação. A Constituição dá preferência ao Casamento porque o modo como é formado confere maior segurança jurídica aos nubentes, em termos de prova do enlace, do regime de bens, da data da constituição; o que não significa que não possa a lei aviltar a família constituída pela União Estável, para forçar os companheiros a se casarem. Nos aspectos em que as famílias, oriundas do Casamento ou da União Estável, são semelhantes, como é o caso das relações afetivas que geram, não pode haver tratamento legal diferenciado. O vínculo de afeto, solidariedade e respeito deve ser o norte do legislador infraconstitucional na disciplina da ordem de vocação hereditária” (Código Civil Comentado, Coordenador Ministro Cézar Peluso, 3ª ed., Ed. Manole, fls. 2015). Sobre a questão: “Entre as entidades familiares, não há hierarquia, já que todas desempenham a mesma função: promover o desenvolvimento da pessoa de seus membros. Não há superioridade de uma em relação à outra, mas igualdade diante da proteção estatal (CF/1988, art. 226, caput), uma vez que a tutela da dignidade da pessoa humana (CF/1988, art. 1º, inciso III) é igual para todos. Nesta proteção do Estado, integram-se as normas pertinentes à sucessão legítima. Assim, em que pese o Casamento e a União Estável constituírem situações diversas, este fato não é suficiente para que a tutela na sucessão hereditária seja discrepante, conferindo-se mais direitos sucessórios a uma ou outra entidade familiar, pois ambas constituem família, base da sociedade, em especial proteção do Estado (CF/1988, art. 226, caput) e é a família o organismo social legitimador do chamamento de determinada pessoa à sucessão, em virtude do dever de solidariedade que informa as relações familiares” (in Manual de Direito das Famílias e das Sucessões, Coordenadores: ANA CAROLINA BROCHADO TEIXEIRA, GUSTAVO PEREIRA LEITE RIBEIRO. Belo Horizonte: Del Rey, Mandamentos, 2008, p. 685). Dessa forma, forçoso reconhecer a condição de meeira da companheira, sob a ótica da CF, que, tendo como fundamento a Dignidade da Pessoa Humana e o Princípio da Igualdade, protege a família de forma pluralizada, reconhecendo como entidade familiar o Casamento e a União Estável. Ademais, cumpre ressaltar que o Recurso dos apelantes em nenhum momento questiona o direito à meação da companheira. Reconhecido o direito à meação, passa-se à análise do direito de herdeira dos bens deixados pelo de cujus. Como ressaltado, sendo a União Estável disciplinada pelo Regime de Comunhão Parcial, a companheira é meeira de todos os bens adquiridos onerosamente na constância da união, pois se presume a sua colaboração quando da aquisição. Contudo, e não obstante a condição de meeira, segundo o art. 1.829, inciso I, do CC, quando da sucessão legítima, o cônjuge que se casar no Regime de Comunhão Parcial de Bens concorre com os descendentes, salvo se o autor da herança não houver deixado bens particulares. Ressalta-se que, se todos os bens forem adquiridos na constância da união, ela não cumula a condição de herdeira à de meeira, pois serão todos os bens comuns, aplicando-se, assim, a parte final do art. 1.829, inciso I, do CC, vejamos: “Art. 1.829 - A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no Regime da Comunhão Universal, ou no da Separação Obrigatória de Bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no Regime da Comunhão Parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares.” Ao explicar o citado artigo, MAURO ANTONINI esclarece: “(...) a 2ª exceção do inciso I, explicando o critério que orientou o legislador, é a de não concorrer com os descendentes o cônjuge casado pela Comunhão Parcial se não há bens particulares do de cujus. Se não há bens particulares, todos são comuns e, portanto, o cônjuge tem meação em face de todos eles. Como está protegido pela meação em todos os bens, o cônjuge não necessita ser duplamente beneficiado, com meação e herança.” (Código Civil Comentado, Coordenador Ministro Cézar Peluso, 3ª edição, Ed. Manole, fls. 2061). No caso em tela, segundo verifica-se da colação dos bens deixados pelo de cujus, todos eles são bens comuns, não havendo nenhum bem particular. Dessa forma, assiste razão aos apelantes, pois, segundo a regra legal, o cônjuge não concorrerá com os descendentes do falecido nos casos em que não houver bens particulares. Assim, nos moldes do Parecer exarado pelo Il. Procurador de Justiça, deve ser refeita a partilha dos bens, para que seja reconhecido o direito da apelada como meeira dos bens, uma vez que todos foram adquiridos na constância da União Estável. Nesse sentido é o entendimento jurisprudencial: “Sucessão da Companheira. Incompatibilidade do art. 1.790 do CC com o sistema jurídico de proteção constitucional às entidades familiares e o direito fundamental à herança. Impossibilidade de a legislação infraconstitucional alijar direitos fundamentais anteriormente assegurados a partícipes de entidades familiares constitucionalmente reconhecidas, em especial o direito à herança. Posição jurisprudencial que se inclina no sentido da inaplicabilidade do ilógico art. 1.790 do CC. Recurso provido, para reconhecer a meação da companheira aos ativos deixados pelo autor da herança, mas afastá-la da concorrência com o descendente menor, aplicando-se o regime do art. 1.829, inciso I, do CC” (AI nº 567.929.4/0-00; Rel. Des. Francisco Loureiro; j. 11/9/2008). “União Estável. Reconhecimento e dissolução. Companheiro falecido. Sucessão. Inconstitucionalidade do art 1.790, inciso II, do CC/2002. Falecido o companheiro deixando apenas 1 filho, sua companheira herda em concorrência com este, nos bens adquiridos a título gratuito. Interpretação sistemática da atual ordem constitucional. Art. 1.829, inciso I, CC/2002 c.c. art. 226 da CF. Bem imóvel adquirido na constância da sociedade de fato deve ser partilhado. Recursos desprovidos” (TJSP; ACi nº 520.626.4/3-00; Des. Teixeira Leite; j. 26/11/2009). Dessa forma, a partilha apresentada a fls. 836/866 deve ser adequada para que seja retirada a condição de herdeira da apelada dos bens pertencentes ao Espólio do falecido Sr. ... . Isso posto, firme nos propósitos acima delineados, dou parcial provimento ao Recurso, para reformar a sentença, reconhecendo o direito da autora como simples meeira dos bens deixados pelo de cujus, e não como herdeira e meeira. Custas, na forma da lei. Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Ernane Fidélis e Maurício Barros. Súmula: deram provimento parci |