ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes Autos em que são partes as acima indicadas, decide a Eg. 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer parcialmente do Recurso Especial e, nessa parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Benedito Gonçalves (Presidente), Hamilton Carvalhido e Luiz Fux votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 23 de novembro de 2010
Teori Albino Zavascki
Relator
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Ministro Teori Albino Zavascki (Relator): trata-se de Recurso Especial interposto contra Acórdão do TJRS que, em Mandado de Segurança objetivando ordem assecuratória do direito da ora recorrida transferir para terceiro o saldo credor acumulado de ICMS decorrente de operações de exportação, deu provimento à Apelação e reformou a sentença denegatória da segurança, decidindo que a recorrida tem “direito de transferir os créditos acumulados a terceiros, na forma do art. 25, § 1º, da Lei Complementar nº 87/1996, sem as restrições impostas pela autoridade coatora” (fls. 289).
No Recurso Especial, o recorrente aponta ofensa aos arts. 25, § 1º, incisos I e II, da Lei Complementar nº 87/1996 e 11, incisos I e II, do CTN, porquanto: 1 - há restrição ao direito invocado pela autora consistente na “regra de que saldos credores poderão ser utilizados para os fins previstos nos incisos I e II, mas apenas na proporção das operações previstas no art. 3º, inciso II (exportações), que o contribuinte realizar” (fls. 300); 2 - deve ser observado o “requisito da liquidez do montante acumulado sujeito à transferência, isto é, só está contemplada a possibilidade de ser transferido a outros contribuintes por expressa disposição o ‘... saldo remanescente’” (fls. 300); 3 - “não se pode conceber que, estando em regime de inadimplência, possa o contribuinte valer-se do benefício da transferência e, muito menos, que esta deva ser autorizada sem exame pela Fazenda Pública” (fls. 300); 4 - “em se tratando de benefícios fiscais, a interpretação há de ser sempre restritiva” (fls. 301); e 5 - não há “direito líquido e certo a ser amparado pela via mandamental” (fls. 306).
Contrarrazões a fls. 311/319.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Ministro Teori AlbinoZavascki (Relator): com relação à transferência dos saldos credores de ICMS, apreciando caso análogo, a 1ª T. assim decidiu:
“Tributário. ICMS. Créditos acumulados de ICMS sobre matéria-prima destinada a exportação. Transferência a terceiros. Autoaplicabilidade do art. 25, § 1º, inciso II, Lei Complementar nº 87/1996. 1 - ‘A Lei Complementar nº 87/1996 estabeleceu no art. 25 duas hipóteses de transferência de crédito acumulado do ICMS. No § 1º, os créditos oriundos de operações de exploração de matéria-prima ou produtos industrializados, como previsto no art. 3º, inciso II. No § 2º, delegou ao legislador estadual a escolha das hipóteses, quando pretendesse o contribuinte transferir o seu crédito a terceiro’ (RMS nº 13.544; Rel. Min. Eliana Calmon; DJ de 2/6/2003; p. 229). 2 - Tratando-se a hipótese dos Autos da espécie do art. 3º, inciso II, da Lei Complementar nº 87/1996, vez que se trata de exportação de madeira, é de se dar provimento ao Recurso Ordinário” (RMS nº 13.969-PA; 1ª T.; Rel. Min. Francisco Falcão; DJ de 4/4/2005).
Assim me manifestei nesse precedente:
“O art. 25, § 1º, da Lei Complementar nº 87/1996 é expresso ao conferir ao contribuinte detentor de saldos credores de ICMS acumulados desde a edição desse diploma legal, em razão de operações de exportação, a faculdade de aproveitá-los mediante transferência a qualquer estabelecimento seu no mesmo Estado (inciso I) e, havendo saldo remanescente, mediante transferência a outro contribuinte do mesmo Estado (inciso II) - utilizando-se, nesse segundo caso, de documento expedido pela autoridade fazendária reconhecendo a existência do crédito. Trata-se de norma de eficácia plena, que dispensa qualquer regulamentação por lei estadual. A legislação estadual é requerida apenas para o reconhecimento do direito à utilização, nas modalidades acima descritas, dos demais saldos credores acumulados a partir da vigência da Lei Complementar, isto é, aqueles que não os decorrentes de exportações, nos inequívocos termos do § 2º do mesmo dispositivo”.
É o seguinte o teor dos dispositivos relevantes para o deslinde da questão, ambos da Lei Complementar nº 87/1996:
“Art. 3º - O imposto não incide sobre:
(omissis)
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II - operações e prestações que destinem ao exterior mercadorias, inclusive produtos primários e produtos industrializados semielaborados, ou serviços; (omissis)
(...)
Art. 25 - Para efeito de aplicação do art. 24, os débitos e créditos devem ser apurados em cada estabelecimento do sujeito passivo. Para este mesmo efeito, a lei estadual poderá determinar que se leve em conta o conjunto dos débitos e créditos de todos os estabelecimentos do sujeito passivo no Estado.
§ 1º - Saldos credores acumulados a partir da data de publicação desta Lei Complementar por estabelecimentos que realizem operações e prestações de que tratam o inciso II do art. 3º e seu parágrafo único podem ser, na proporção que estas saídas representem do total das saídas realizadas pelo estabelecimento:
I - imputados pelo sujeito passivo a qualquer estabelecimento seu no Estado;
II - havendo saldo remanescente, transferidos pelo sujeito passivo a outros contribuintes do mesmo Estado, mediante a emissão pela autoridade competente de documento que reconheça o crédito.
§ 2º - Lei estadual poderá, nos demais casos de saldos credores acumulados a partir da vigência desta Lei Complementar, permitir que:
I - sejam imputados pelo sujeito passivo a qualquer estabelecimento seu no Estado;
II - sejam transferidos, nas condições que definir, a outros contribuintes do mesmo Estado”.
A desnecessidade de edição de lei estadual para viabilizar o exercício do direito previsto no inciso II do art. 25 da Lei Complementar nº 87/1996 torna-se ainda mais evidente diante da circunstância de que a Fazenda Estadual permite, de forma “tranquila e consensual, (...) a atribuição dos créditos a outro estabelecimento da mesma pessoa jurídica” (fls. 4), isto é, o aproveitamento dos créditos na forma do inciso I do mesmo dispositivo. Tal afirmação do autor é corroborada pelas informações do impetrado: “quando se trate de transferência para estabelecimento do mesmo contribuinte e no mesmo Estado, não há objeção nem interveniência do Poder Tributante; contudo, na hipótese suscitada pelo contribuinte impetrante, a Lei Complementar requer a existência de norma estadual (art. 24 c.c. art. 25)” (fls. 677). Ora, a mera expedição pela autoridade fiscal de documento reconhecendo a existência do crédito não é providência que dependa da edição de lei, até porque os procedimentos e critérios para determinação do valor do crédito certamente já existem, necessários que são para o controle da movimentação dos saldos entre estabelecimentos da mesma pessoa jurídica, nos termos do inciso I.
Conforme anotou o Ministro Relator em seu voto, há julgado da 2ª T. da Corte (ROMS nº 13.544-PA; Min. Eliana Calmon; DJ de 2/6/2003) em que se adotou idêntica orientação, no sentido da autoaplicabilidade dos incisos do § 1º do art. 25.
Diante do exposto, acompanho o Relator Ministro Francisco Falcão, dando provimento ao Recurso Ordinário, para conceder a Segurança, de modo a assegurar à impetrante o direito de transferir, na proporção que as saídas das mercadorias representem do total dos saldos apurados, os créditos acumulados em decorrência das operações descritas no art. 3º da Lei Complementar nº 87/1996, desde 12/12/1998, a outros contribuintes do mesmo Estado, mediante a emissão pela autoridade competente de documento que reconheça o crédito.
É o voto.
No mesmo sentido, decidiu também a 1ª T. no RMS nº 21.240, Min. Denise Arruda, DJe de 11/2/2009.
Por estar o Acórdão recorrido em consonância com o entendimento do STJ - “assegurando à impetrante o direito de transferir os créditos acumulados a terceiros, na forma do art. 25, § 1º, da Lei Complementar nº 87/1996, sem as restrições impostas pela autoridade coatora” (fls. 289) -, não merece reparos.
Não houve, pelo Acórdão recorrido, emissão de juízo acerca das alegações de que: 1 - a transferência deve observar a proporção das operações previstas no art. 3º, inciso II, da Lei Complementar nº 87/1996 (exportações), 2 - não há comprovação da existência do direito líquido e certo e 3 - deve ser observado o requisito da liquidez do montante acumulado sujeito à transferência. Ressalte-se que o recorrente sequer opôs os Embargos de Declaração cabíveis, para que o Tribunal a quo se pronunciasse sobre as mencionadas alegações. Por essa razão, à falta do indispensável prequestionamento, não pode ser conhecido o Recurso Especial no ponto.
Diante do exposto, conheço, em parte, do Recurso Especial para, nessa parte, negar-lhe provimento.
É o voto.
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