ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes Autos,
Acordam os Ministros da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder parcialmente a ordem de Habeas Corpus, nos termos do Voto do Sr. Ministro Relator.
A Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura e os Srs. Ministros Og Fernandes e Celso Limongi (Desembargador convocado do TJSP) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.
Brasília, 18 de novembro de 2010
Haroldo Rodrigues
Relator
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJCE): a hipótese é de Habeas Corpus impetrado em favor de H. G. S., apontada como autoridade coatora o TJSP.
Extrai-se dos Autos que, após a prisão em flagrante de outros 3 corréus na Ação de que se cuida - acusados de formação de quadrilha voltada à prática de roubo a clientes de agências bancárias localizadas na região leste da capital paulista - o Ministério Público ofereceu aditamento à Denúncia, incluindo o paciente na acusação, dando-o como incurso no art. 288, parágrafo único, do CP, por ter sido apurado ser ele o condutor de uma das motocicletas utilizadas no evento delituoso. Ao receber o aditamento, a Juíza de 1º Grau decretou a prisão preventiva do paciente.
Busca-se a revogação da custódia cautelar do acusado, réu primário, com residência fixa e ocupação lícita, sustentando faltar fundamentação ao decreto constritivo, alegando, ainda, que se apresentara espontaneamente perante a autoridade policial quando solicitado, não se justificando a imposição da medida extrema, pois não demonstrada qualquer intenção de furtar-se à aplicação da lei penal.
Requer, ademais, o trancamento da Ação Penal com relação ao paciente, por não haver provas suficientes de seu envolvimento nos delitos.
A Liminar foi indeferida (fls. 417), assim como o pedido de reconsideração da Liminar (fls. 437).
A D. Subprocuradoria-Geral da República, ao manifestar-se (fls. 422/426), opinou pela concessão da ordem.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJCE) (Relator): ao receber o aditamento da Denúncia, o Juiz de 1º Grau decretou a prisão preventiva do paciente nos seguintes termos:
“Com relação ao pedido de decretação da prisão preventiva, verifico que se trata de quadrilha voltada à prática de crime de roubo cometido contra clientes de agências bancárias, ‘saidinha de banco’. Crime grave, daqueles que causam desassossego na população, que clama e reclama pela pronta atuação do Estado.
Temerário manter o acusado solto, pois poderá se furtar do distrito da culpa, dificultando, assim, a aplicação da lei penal. Assim, estando presentes os requisitos elencados no art. 312, CPP, decreto a prisão preventiva do acusado supra, expedindo-se contra ele o competente mandado de prisão que deverá ser cumprido concomitante ao mandado de citação” (fls. 241).
O Tribunal de origem, por sua vez, confirmou a decisão em Acórdão, consignando:
“A r. decisão que decretou a prisão preventiva do paciente está devidamente motivada, com referência à necessidade de resguardo da ordem pública, por se tratar de Crime de Associação voltada à prática de roubos contra clientes de agências bancárias, bem como da regular instrução do feito e da aplicação da lei penal.
Há que se considerar, ainda, que a imputação dirigida ao paciente, dado o propósito da existência da associação criminosa, é de gravidade diferenciada.
Aliás, as circunstâncias do caso em tela fazem presente a possibilidade de reiteração criminosa.
Ademais, investigações policiais realizadas desde 24/5/2010 revelaram, a princípio, que a associação criminosa utilizava 2 motocicletas, uma das quais pertencente ao paciente” (fls. 39).
É certo que esta Corte tem reiteradamente afirmado que toda prisão anterior à condenação transitada em julgado somente pode ser imposta por decisão concretamente fundamentada, mediante a demonstração explícita da sua necessidade, observado o art. 312 do CPP.
No caso, em que pese a gravidade do delito imputado ao paciente, constata-se a carência de fundamentação idônea à imposição da segregação cautelar, visto que não foram apontadas circunstâncias concretas que justificassem a necessidade de adoção da medida extrema.
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Com efeito, circunstâncias de caráter genérico, tais como aquelas concernentes à gravidade abstrata do delito, ou a vaga referência à possibilidade de fuga, dissociadas de qualquer elemento concreto, são inaptas a fundamentar a custódia cautelar do paciente, evidenciando-se, assim, o constrangimento ilegal, sendo certo, ainda, que não é dado à Corte local suprir a fundamentação deficiente do Magistrado.
Nesse sentido:
“Penal. Habeas Corpus. Formação de quadrilha. Prisão preventiva. Gravidade genérica do delito. Mera referência aos requisitos legais da custódia preventiva. Fundamentação inidônea. Constrangimento ilegal evidenciado. Inépcia da Denúncia. Conduta do réu individualizada. Maiores incursões que demandariam revolvimento do conjunto fático-probatório. Ordem parcialmente concedida. 1 - A prisão cautelar é medida excepcional e deve ser decretada apenas quando devidamente amparada pelos requisitos legais previstos no art. 312 do CPP, em observância ao Princípio constitucional da Presunção de Inocência ou da Não Culpabilidade, sob pena de antecipar a reprimenda a ser cumprida quando da condenação. 2 - Cabe ao Julgador interpretar restritivamente os pressupostos consignados na Lei Processual Adjetiva, fazendo-se mister a configuração empírica dos referidos requisitos, sendo que razões outras, desprovidas de cunho acautelatório, não podem ser utilizadas para a imposição da medida constritiva. 3 - A existência de indícios de autoria e prova da materialidade, a simples menção aos requisitos legais da segregação, bem como o juízo valorativo sobre a gravidade genérica do delito imputado ao paciente não constituem fundamentação idônea a autorizar a prisão cautelar, se desvinculados de qualquer fator concreto ensejador da configuração dos requisitos do art. 312 do CPP. 4 - Hipótese na qual não se vislumbra a devida motivação idônea do decreto prisional, assim como do Acórdão mantenedor da segregação cautelar, pois a custódia deve ser fundada em fatos concretos indicadores da sua real necessidade, atendendo aos termos do art. 312 do CPP e da jurisprudência dominante. 5 - Não há falar em inépcia da Denúncia se a peça acusatória satisfaz todos os requisitos do art. 41 do CPP, possibilitando a elucidação dos fatos delituosos descritos à luz do Contraditório e da Ampla Defesa. 6 - Maiores incursões acerca da matéria que demandariam aprofundado exame do conjunto fático-probatório dos Autos, peculiar ao processo de conhecimento, inviável em sede de Habeas Corpus, remédio jurídico-processual, de índole constitucional, que tem como escopo resguardar a liberdade de locomoção contra ilegalidade ou abuso de poder. 7 - Deve ser cassado o Acórdão recorrido, bem como a decisão monocrática por ele confirmada, para revogar a prisão preventiva imposta ao paciente, determinando a expedição de Alvará de Soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de que venha a ser decretada nova custódia, com base em fundamentação concreta. 8 - Ordem parcialmente concedida, nos termos do Voto do Relator” (HC nº 160.877-SP; Rel. Min. Gilson Dipp; DJe de 25/10/2010).
“Agravo Regimental. Habeas Corpus. Extorsão e formação de quadrilha. Prisão preventiva. Falta de fundamentação. Recurso improvido. 1 - A prisão cautelar, assim entendida aquela que antecede a condenação transitada em julgado, só pode ser imposta se evidenciada, com explícita fundamentação, a necessidade da rigorosa providência. 2 - Revela-se evidente o constrangimento ilegal se a custódia antecipada foi imposta em razão da gravidade abstrata do delito, tecendo o Magistrado considerações de ordem genérica acerca da periculosidade dos agentes e também sobre o risco de que, em liberdade, poderiam prejudicar a instrução processual ou se furtar à aplicação da lei penal, dissociada essa análise da situação fática existente nos Autos. 3 - Agravo Regimental improvido” (AgRg no HC nº 101430-SP; Rel. Min. Paulo Gallotti, DJe de 6/1/2008).
Ademais, tratando-se de réu primário, possuidor de bons antecedentes, com profissão definida, residência fixa no distrito da culpa e que compareceu espontaneamente quando solicitado pela autoridade policial, em momento anterior ao de sua prisão, conforme registrado nos Autos, nada impede que lhe seja concedido o direito de responder ao Processo em liberdade.
De outro lado, para que seja possível o trancamento de uma ação penal, é necessário que se mostre evidente a atipicidade do fato, se verifique a absoluta falta de indícios de materialidade e de autoria do delito ou que esteja presente uma causa extintiva da punibilidade, hipóteses não encontradas no presente caso, pois são apresentados na Denúncia fatos que, em tese, podem caracterizar a participação do paciente no delito de formação de quadrilha, inviabilizado, portanto, o encerramento prematuro do Processo Criminal.
Nesse sentido:
“Penal. Processo Penal. Prescrição em perspectiva ou antecipada. Extinção da punibilidade. Descabimento. Falta de previsão legal. Trancamento da Ação Penal. Negativa de autoria e atipicidade. Ausência de justa causa não evidenciada de plano. (...) 2 - De acordo com o entendimento do STJ, ‘o trancamento da ação penal pela via de habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, a atipicidade do fato, a ausência de indícios a fundamentarem a acusação ou, ainda, a incidência de causa extintiva da punibilidade’ (HC nº 82.515-SC; Rel. Min. Laurita Vaz; DJU de 16/6/2008). 3 - A alegação de que não há provas da participação do paciente na empreitada criminosa não pode ser aqui acolhida, pois demandaria o exame aprofundado dos elementos de prova, incabível na via estreita do habeas corpus, além do que a Denúncia deixa certa a existência de indícios de autoria do delito. 4 - Ademais, as evidências dos Autos não permitem, de plano, a conclusão pela atipicidade da conduta do paciente, tornando-se prematuro o trancamento da Ação Penal instaurada. 5 - De outra parte, o paciente não foi denunciado por ser sócio da empresa envolvida no evento dito criminoso, mas, sim, por haver indícios suficientes a autorizar o início da persecução criminal. 6 - Habeas Corpus denegado” (HC nº 102.292-SP; Rel. Min. Og Fernandes; DJe de 22/9/2008.)
“Habeas Corpus. Penal e Processual Penal. Crime tipificado no art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº 201/1967. Trancamento da Ação Penal. Falta de justa causa. Alegação de inexistência de provas. 1 - O trancamento da ação penal pela via de habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade, o que não ocorreu no caso. 2 - A Denúncia encontra-se em total conformidade com o disposto no art. 41 do CPP, porquanto demonstra, de forma clara e objetiva, o fato supostamente criminoso, com todas as suas circunstâncias, bem como a possível autoria do ora paciente, de forma suficiente para a deflagração da Ação Penal e de modo a possibilitar-lhe ampla defesa na instrução criminal. 3 - A questão de se saber se o ora paciente efetivamente participou do esquema ilícito narrado na Denúncia requer o revolvimento da matéria fática, o que somente poderá ser discutido durante a instrução criminal. O habeas corpus não pode substituir a Ação Penal no que ela tem de essencial - o livre exercício do Contraditório e da Ampla Defesa. 4 - Habeas corpus denegado” (HC nº 53.487-SC; Rel. Min. Laurita Vaz; DJe de 11/2/2008).
Ante o exposto, concedo em parte o Habeas Corpus para que o paciente possa responder ao Processo em liberdade, mediante assinatura de Termo de Comparecimento a todos os atos do Processo, salvo se por outro motivo estiver preso.
É como voto.
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