DIREITO CONSTITUCIONAL
Constitucional - Intervenção estadual no município de São Paulo - Descumprimento de precatório oriundo de Ação Expropriatória - Legitimação ativa do credor - Precedentes desta Corte - Inaplicabilidade da Emenda Constitucional nº 62/2009, dada a inconstitucionalidade da retroatividade ali prevista. Ofensa à cláusula pétrea (art. 5º, inciso XXXVI, c/ o art. 60, § 4º, inciso IV). Inobservância do prazo previsto no § 1º do art. 100 da CF. Justificativa da requerida inconsistente. Obrigatoriedade do administrador de manter o equilíbrio das contas públicas. Incidência dos arts. 35, inciso IV, da CF e 149, inciso IV, da Constituição Bandeirante. Intervenção deferida (TJSP - Órgão Especial; IntMun nº 994.09.002451-6-São Paulo-SP; Rel. Des. designado Ivan Sartori; j. 11/8/2010; m.v.). |
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ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes Autos de Intervenção em Município nº 994.09.002451-6, da Comarca de São Paulo, em que é requerente L. G. S. R., sendo requerido o Prefeito Municipal de São Paulo. Acordam, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, em proferir a seguinte decisão: “por maioria de votos, deferiram o pedido de Intervenção”, de conformidade com o Voto do Relator, que integra este Acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores Viana Santos (Presidente sem voto), Marco César Müller Valente, Munhoz Soares, Barreto Fonseca, Correa Vianna, Laerte Sampaio, Ivan Sartori, Marcondes Machado, Carlos de Carvalho, Armando Toledo, José Santana, Artur Marques, Guilherme G. Strenger, Ruy Coppola, José Roberto Bedran, Maurício Vidigal (com declaração de voto), Ribeiro dos Santos, Xavier de Aquino, Roberto Bedaque e Samuel Júnior, com votos vencedores; José Reynaldo, Cauduro Padin e Roberto Mac Cracken, com votos vencidos. São Paulo, 11 de agosto de 2010 Viana Santos Presidente Ivan Sartori Relator designado VOTO DO RELATOR DESIGNADO Adota-se o Relatório lançado nos Autos. Anote-se, por primeiro, ser patente a legitimidade ativa do credor, em casos que tais. Realmente, na sistemática constitucional atual, a legitimação ativa do Ministério Público à intervenção restringe-se à hipótese do art. 36, inciso III, da CF, que se reporta ao art. 34, inciso VII, a tratar da observância de princípios constitucionais, e quando de recusa à execução de lei federal (o inciso IV foi revogado pela Emenda Constitucional nº 45/2004). Na espécie, entanto, cuida-se da hipótese do art. 35, inciso IV, que se insere no âmbito de atribuição do Tribunal de Justiça, com possibili-dade de provocação ou representação do credor insatisfeito (Intervenções Estaduais nº 37.625-0/8, Órgão Especial - TJSP, Rel. Des. Mohamed Amaro, j. 15/4/1998; nº 045.578-0/6, mesmo Relator, j. 1°/3/2000; e nº 172.472-0/4-00, Rel. o signatário, j. 1º/4/2004). Passa-se ao cerne. Trata-se de Precatório oriundo de Ação Expropriatória, figurando como devedora a municipalidade de São Paulo e que deveria ter sido quitado até o exercício de 2006 (fls. 06/10). Acontece que tal requisitório restou colhido pelas novas regras da Emenda Constitucional nº 62/2009, às quais aquela Autonomia aderiu (Decreto n° 51.105, de 11/12/2009), circunstância que arredaria a intervenção. Todavia, não é bem assim, como se verá. Em primeiro lugar, pondera-se que essa matéria deve ser enfrentada desde logo nesta sede, em sendo inerente ao cumprimento do Precatório, o que, justamente, a dar origem ao pedido de intervenção. Ademais, cuida-se de tema de ordem pública, a ser apreciado de ofício, sem contar que incidente na espécie, por analogia, o art. 462 do CPC. No cerne, constata-se que a Emenda referida introduziu no ordenamento jurídico nova moratória, até que seja editada a lei complementar prevista no § 15 do art. 100, segundo a redação que lhe deu, moratória essa a abarcar todos os Precatórios pendentes (Administração Direta ou Indireta) e os emitidos durante o período de vigência da dilação, sem exceção, isso em favor dos Estados, Distrito Federal e municípios. Essa moratória foi denominada “Regime Especial”, ficando afastada a incidência do art. 100, ressalvados os §§ 2º (humanitário e credores com 60 anos ou mais), 3º (RPV), 9º (compensação de débitos a favor da Fazenda), 10 (procedimento para a compensação), 11 (precatório em troca de imóvel da entidade devedora), 12 (incidência dos índices e apenas de juros simples, ambos da Caderneta de Poupança), 13 (cessão) e 14 (procedimento relativo à cessão), todos segundo a nova redação. Mas, inconcussa a inconstitucionalidade do regime que se pretende implantar, quando abarca precatórios pendentes e até aqueles em que presente mora importante do devedor, tanto assim que o Conselho Federal da OAB, Associações de Magistrados, do Ministério Público e de Servidores já ajuizaram, no STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade afeta ao art. 97 do ADCT (ADI nº 4.387), que cuida, especificamente, da dilação, ao argumento de que haveria inconstitucionalidade formal, porque não teria sido observado o interstício de 5 dias úteis (art. 362 do Regimento Interno do Senado) nas votações em 1º e 2º turnos, além das inconstitucionalidades materiais, tendo em vista os princípios que regem o estado democrático, a Dignidade da Pessoa Humana, a Separação dos Poderes, a Segurança Jurídica, o Direito de Propriedade, o Ato Jurídico Perfeito, a Coisa Julgada, a Moralidade, a Razoável Duração do Processo e a Igualdade. Nessa ADI, o Relator, Ministro Carlos Britto, determinou que todos os Tribunais de Justiça do país informem os valores pagos em Precatórios (alimentares e não alimentares) e Requisições de Pequeno Valor - RPVs -, nos últimos 10 anos. A determinação é do dia 5 de janeiro. O Ministro requisitou, ainda, informações sobre o montante da dívida pendente de pagamento inscrita em Precatórios. Também a Anamatra ingressou com Ação Direta (ADI nº 4.400), obtemperando terem sido desrespeitados os Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade, havendo verdadeiro abuso no poder de legislar. Não é demais dizer que pendem no Supremo Tribunal Federal as ADIs nos 2.356 e 2.362, questionando a Emenda Constitucional nº 30/2000, a qual, como sabido, introduziu a moratória anterior. Não houve desfecho nem mesmo em relação à Medida Cautelar, mas certo é que 6 Ministros suspendiam o art. 2º, que trata da própria moratória, ou a expressão contida no caput do art. 78 do ADCT: “os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31/12/1999” (Ministros Néri da Silveira, Ellen Gracie, Carlos Britto, Cezar Peluso, Carmen Lúcia e Marco Aurélio). O julgamento está suspenso no aguardo do Voto do Ministro Celso de Mello. Os Ministros estão divididos entre a inconstitucionalidade, porque haveria afronta à coisa julgada, e a ausência de perigo na demora, dado o largo período transcorrido desde a Emenda. E, realmente, na parte que alcança precatórios a ela anteriores, a Emenda atual está fadada ao mesmo destino meritório, justamente porque essa retroação fere garantias constitucionais básicas, mormente aquelas previstas no art. 5º, inciso XXXVI, da Lei Maior (direito adquirido e coisa julgada), a decorrerem de cláusula pétrea imutável peIo poder constituinte derivado, a teor do art. 60, § 4º, inciso IV. Manifesto, ainda, o abuso no poder de legislar, como arguido em uma das Ações Diretas, considerado que se trata da 3ª moratória em favor do Poder Público (houve antes as dos arts. 33 e 78 do ADCT, o último advindo por força da Emenda Constitucional nº 30/2000), sucedendo ser patente o maltrato aos Princípios da Moralidade e da Razoabilidade (art. 37 da Carta da República), sem falar que, ferindo a coisa julgada, porque já estabelecidos por decisão judicial definitiva o crédito e a forma de pagamento, segundo o regramento então vigente, a Emenda também afronta a independência que deve haver entre os Poderes (art. 2º da Lei Maior). Ensina ALEXANDRE DE MORAES: “(...) o legislador constituinte, ao proclamar a existência de poderes da República, independentes e harmônicos entre si, cada qual com sua função soberana, buscou uma finalidade maior, qual seja evitar o arbítrio e garantir a liberdade individual do cidadão. Ambas as previsões vieram acompanhadas pelo manto da imutabilidade, pretendendo o legislador constituinte evitar o futuro desequilíbrio entre os detentores das funções estatais. A harmonia prevista entre os Poderes vem acompanhada de um detalhado sistema de freios e contrapesos (checks and balances), consistente em controles recíprocos” (Direito Constitucional, São Paulo: Atlas, 24ª ed., 2009, p. 512). Não é o que se observa aqui, como exposto. Daí a inconstitucionalidade manifesta da retroação enfocada. Ressalte-se que a este Órgão Especial cabe apreciar a inconstitucionalidade incidental (art. 97 da CF e Súmula Vinculante nº 10 do STF), devendo, pois, com muito mais razão, pronunciá-la ao ensejo de decisão final que deva proferir, inclusive no âmbito administrativo, como no caso. Por conseguinte, arreda-se, na espécie, a incidência da Emenda Constitucional nº 62/2009, por desrespeitar os arts. 2º; 5º, inciso XXXVI; 37; 60, § 4º, inciso IV, da CF. Esse, inclusive, o entendimento deste Colegiado, externado quando do julgamento dos Pedidos de Intervenção nos 994.09.229278-6 e 994.09.223996-6, em 30/6/2010, Rel. designado o signatário. Por conseguinte, aprecia-se o caso sob a égide do art. 100, redação original, vigente à época da expedição do Precatório, que não está sujeito às moratórias dos arts. 33 e 78 do ADCT, expedido que foi em maio/2005 (fls. 06/8), havendo inclusão na previsão orçamentária/2006 (fl. 09). |
Ocorre que, até o momento, não há notícia de seu cumprimento, achando-se extrapolado de sobejo o prazo do § 1º do art. 100 da Carta da República (na redação anterior à Emenda Constitucional nº 62/2009). E não vem em socorro do requerido a justificativa de insuficiente a receita e de que presente dificuldade de cunho financeiro, quer porque nada foi demonstrado a respeito, quer porque ausente espeque legal a tal escusa. Irrelevante, inclusive, a pendência de Requisitório anterior, antes agravando a situação do Poder Público local nestes Autos. Com efeito, ao administrador impõe-se o dever de previsão das receitas e despesas, segundo, por sinal, o § 1º do art. 1º da Lei Complementar nº 101/2000. No pertinente, ensina CARLOS VALDER DO NASCIMENTO, em obra organizada pelo próprio e por IVES GANDRA DA SILVA MARTINS: “A atividade estatal tem como ponto alto o processo de planejamento contínuo e permanente com a adoção dos instrumentos preconizados pela CF. De sorte que a gestão fiscal há de se pautar em comportamento equilibrado, com a utilização racional do plano plurianual, das diretrizes orçamentárias e dos orçamentos (fiscal, de investimentos e da seguridade social). Reveste-se da maior importância a emolduração de um quadro dessa natureza no contexto da administração do país. Entretanto, isso somente será possível se os agentes públicos cumprirem as determinações constantes dos dispositivos consagrados pela lei de responsabilidade fiscal e forem capazes de conduzir a coisa pública com seriedade, competência e, sobretudo, espírito público. Cabe-lhes, portanto, a tarefa de limitar gastos, manter o equilíbrio nas contas públicas e atuar na prevenção de deficits, de maneira a estabelecer a compatibilização entre as receitas e a satisfação das demandas sociais” (Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal, Saraiva, 2001, p. 20-1). Tudo, então, a indicar descaso em relação a édito judicial imutável. Destarte, a teor dos arts. 35, inciso IV, da CF e 149, inciso IV, da Constituição do Estado de São Paulo, defere-se a Intervenção do Estado no município de São Paulo, oficiando-se na forma do art. 265 do RITJSP. Ivan Sartori Relator designado DECLARAÇÃO DE VOTO VENCEDOR Também acolhi a Intervenção solicitada. A Emenda Constitucional nº 62/2009 deu nova redação ao ADCT, estabelecendo até que fosse editada Lei Complementar prevista no § 15 do art. 100 da CF, também modificado por ela, nova moratória em favor do Poder Público com adoção opcional pelos órgãos devedores por 1 de 2 sistemas de pagamento. No 1º deles, o pagamento seria feito no prazo de até 15 anos com depósitos anuais do valor correspondente ao total dos Precatórios devidos dividido pelo número de anos do parcelamento, com acréscimo de juros simples semelhantes aos incidentes nas Cadernetas de Poupança e de atualização correspondente à remuneração básica do mesmo investimento. No segundo deles, o Poder Público faria depósitos mensais de porcentagem de sua receita corrente líquida, nos valores mínimos de 1%, 1,5% ou 2% dela estabelecidos de acordo com a entidade devedora e a relação entre o estoque de Precatórios e a receita corrente líquida. A metade pelo menos dos valores depositados deveria ser aproveitada para pagamentos dos Precatórios em ordem cronológica, respeitadas as preferências estabelecidas para valores alimentares ou destinados a idosos, e o restante poderia ser objeto de pagamento a juízo do devedor por meio de leilão, ou por ordem crescente de valor ou mediante acordos com os credores. A atualização dos créditos seria também realizada pelo índice utilizado para Cadernetas de Poupança. A Emenda dispõe de outras regras cujo exame não é relevante nesta decisão. Sua aplicação impede que se mantenha a exigência de pagamento imediato dos antigos Precatórios. Assim, não seria mais exigível de imediato o valor que deu causa ao pedido de Intervenção, circunstância que afastaria a continuidade deste procedimento. A nova disciplina, contudo, viola princípios consagrados pela Constituição, não podendo ser aceita como integrante do sistema normativo. Sua aplicação fará com que débitos já existentes antes de 1988 e não pagos, como deveriam ter sido durante o prazo da moratória prevista pelo art. 33 do ADCT, venham, eventualmente, a ser quitados dentro de 15, 20 ou mais anos, conforme o sistema de amortização a ser adotado e a criação de novos débitos pelas entidades públicas que pelo seu caráter preferencial, menor valor ou concessão de maior abatimento pelo credor adquiram prioridade para quitação. Outros débitos, incluídos na moratória prevista pela Emenda Constitucional n° 30, também poderão ter seu pagamento relegado para futuro remoto, prejudicada a preferência já estabelecida pelos mesmos fatores já apontados. Créditos alimentares, que já eram preferenciais desde 1988, tanto que não incluídos na moratória de então, também terão seus valores submetidos a pagamentos em futuro remoto, uma vez que sua preferência agora foi afastada, porque na pendência dos pagamentos parcelados somente os Requisitórios alimentares do mesmo ano (§ 6º do art. 2º) serão preferenciais. Acarretando essas consequências a nova moratória não respeita os Princípios da Moralidade, da Razoabilidade e da Proporcionalidade. O Princípio da Moralidade previsto pelo art. 37 da CF não tem sua aplicação restrita aos atos da Administração Pública Direta e Indireta. Sua abrangência compreende todo o ordenamento jurídico. Ele não só deve inspirar o comportamento da administração nos seus atos, como também o sistema normativo e sua interpretação. Sua observância depende de não destoarem as normas de forma intensa do sentimento ético médio. Assim, quando sem razão aparente, a Emenda discutida relega para época remota o pagamento de débitos estatais há muito constituí-dos, ela infringe a moralidade média, porque a sociedade em geral não entende razoável que se estenda por tanto tempo o cumprimento de obrigação reconhecida judicialmente. A razoabilidade e a proporcionalidade, sejam ou não a expressão do mesmo sentimento, mas, se não o forem, sempre interligadas, também não admitem tamanha demora e concessão em 22 anos de uma 3ª moratória, sem que houvesse esforço real anterior para quitação dos débitos existentes. Não pode ser esquecido que desde 1988, apesar de alguns anos de dificuldades econômicas, a economia do país vem crescendo, bem como a carga tributária, e que nos anos mais recentes, apesar da crise mundial de 2009, o crescimento foi acelerado. Não se apresentaram motivos para que os Poderes Públicos de forma geral deixassem de saldar seus débitos. Se eles existiam em 1988 como consequência de muitos anos de aceleração inflacionária e, em 2000, época da 2ª moratória cuja constitucionalidade ainda divide o Supremo Tribunal Federal, em decorrência do acúmulo de débitos causado pelo fim da inflação acelerada, agora já não mais estavam presentes. A incapacidade de os Poderes Públicos estaduais e municipais suportarem o pagamento de suas dívidas deve-se agora somente à má vontade de dirigentes que preferiram em busca de prestígio político despender quantias em obras novas e gastos de utilidade duvidosa ou mesmo nula, em vez de reservar somas para o pagamento das antigas dívidas. Não se pode esquecer que na edição da 1ª moratória propiciou-se emissão de títulos públicos correspondentes ao dispêndio anual com o pagamento dos débitos e que, conforme se apurou em Comissão Parlamentar de Inquérito, diversas entidades, entre elas, o governo do Estado de Pernambuco e a municipalidade de São Paulo, emitiram os títulos e utilizaram-se do produto da colocação deles para outros fins. A União Federal, na década de 1990, assumiu dívidas de Estados e de alguns municípios e refinanciou-as a longo prazo com juros menores que os de mercado. Em época recente, noticiou-se que a municipalidade de São Paulo não vinha empregando no pagamento de Precatórios todas as quantias previstas para esse fim no orçamento. O exercício da jurisdição neste Órgão Especial permite que se perceba que ao lado de entes públicos sempre inadimplentes há outros que jamais são apontados como maus pagadores, mantendo suas contas em dia. Seria razoável, já que a incapacidade administrativa criou péssima situação financeira em muitas entidades públicas, que plano de emergência severo para cumprimento em poucos anos fosse adotado com mais uma pequena protelação no pagamento para aqueles órgãos públicos que comprovadamente não pudessem fazer pagamento imediato ou mais célere sem prejudicar o exercício de suas atividades essenciais e inadiáveis, como, entre outras, as de saúde e educação. Agora, protelar por mais muitos anos o pagamento de dívidas antigas sem exigir sacrifício real do mau devedor, premiando-o por sua incompetência, não é razoável nem trata de forma proporcional dos fatos que originaram a Emenda. Beneficia-se o inadimplente em detrimento intenso dos direitos do credor inocente. A nova moratória não é razoável nem proporcional. Não só é inaceitável sob o ponto de vista ético, como já visto, como não ostenta a solução adequada para os fatos de que cuida. Como pelo seu § 14 ela permite que o regime especial previsto pelo inciso I do § 1º vigore durante o tempo em que o valor dos Precatórios seja superior ao valor dos recursos vinculados e pelo seu art. 4º preveja a aplicação do art. 100 da CF quando somente deixe de ocorrer essa hipótese, cria-se agora regime permanente de parcelamento dos débitos públicos, ou de sua redução por meio de leilões e acordos, ou mesmo de preferência por ordem crescente de valores, consagrando-se a insolvabilidade dos órgãos públicos beneficiados por longo tempo, desde que o desejem mantendo os Precatórios a pagar em valor superior aos recursos vinculados. Privilegia-se mais uma vez o mau pagador e agora de forma permanente. Doravante quem mais dívidas contrair, sem que haja limite algum fixado para elas, mais tempo terá para quitá-las. A solução é irrazoável e desproporcional. São desrespeitados também a coisa julgada, o Princípio da Efetividade da Justiça, desdobramento do Princípio da Inafastabilidade do Acesso à Jurisdição, o Princípio da Duração Razoável do Processo e o Princípio da Segurança Jurídica. Sentenças proferidas há mais de 20 anos têm, com a aplicação da Emenda, seu cumprimento relegado para futuro remoto. A realização da Justiça quando réu devedor o Poder Público também fica remetida para tempo incerto, que poderá ser prolongado pela vontade do próprio obrigado que poderá projetá-la para o futuro pelo mero fato de criar novas dívidas. O tempo processual, que somente se encerra quando cumprida a sentença, será eternizado. De que serve a coisa julgada se sua eficácia é afastada Perante a ação do Poder Público estadual, distrital e municipal ninguém estará seguro, porque, a despeito do princípio constitucional de que certas indenizações por desapropriação devem ser prévias e justas, seu pagamento poderá ser protelado indefinidamente. Outros créditos e direitos serão amesquinhados porque o credor desesperado será forçado a negociá-los de forma desfavorável em leilões ou acordos. O Poder Público estadual, distrital e municipal será sempre que o queira inadimplente e mau devedor. Maurício Vidigal |