ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes Autos de Habeas Corpus n° 990.10.067446-3, da Comarca de São Paulo, em que é paciente P. C. B. e impetrante J. A. T. R.
Acordam, em 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Concederam a Ordem, convalidada a Liminar, determinando-se o trancamento da Ação Penal. Declara Voto o 2º Juiz, Dr. Mariz de Oliveira. v.u.”, de conformidade com o Voto do Relator, que integra este Acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores Newton Neves (Presidente sem voto), Pedro Menin e Edison Brandão.
São Paulo, 1º de junho de 2010
Almeida Toledo
Relator
RELATÓRIO
1 - O Advogado J. A. T. R. impetrou Habeas Corpus em favor de P. C. B. (RG n°...), alegando Constrangimento Ilegal por parte da MM. Juíza de Direito da 1ª Vara Criminal e Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Foro Regional XI de Pinheiros, que teria recebido denúncia por infração ao art. 306 do CTB, supostamente cometida pelo paciente, e designado audiência para proposta de suspensão condicional do processo. Pugnou, liminarmente, o impetrante, pelo cancelamento da audiência designada e suspensão da Ação Penal até o julgamento final do presente Writ, bem como pelo trancamento da Ação Penal, ao final.
Aduz que, embora o exame clínico tenha concluído pelo estado de embriaguez, não foi realizado exame laboratorial sanguíneo para verificação da concentração de álcool presente no corpo do paciente na data dos fatos. Assim, invoca a aplicação da nova redação dada ao art. 306 do CTB e alega que o não preenchimento da nova elementar, acrescida ao delito pela reforma, culmina na atipicidade da conduta do paciente e não possibilita seu indiciamento ou imputação processual penal pelo fato.
A Liminar foi deferida (fls. 64-65) e a autoridade apontada como coatora prestou suas informações (fls. 71-72) acompanhadas de cópias de peças dos Autos originários (fls. 73/135).
Em seu Parecer, o Il. representante da Procuradoria de Justiça manifestou-se pela denegação da Ordem, alegando que a interpretação da lei penal não pode ser exclusivamente literal, citou julgados e aduziu admissibilidade da utilização de prova testemunhal e clínica para a caracterização da materialidade do delito.
É o relatório.
VOTO
2 - O Recurso comporta provimento.
É imputada ao paciente a prática do delito previsto no art. 306 do CTB, por denúncia oferecida pelo Ministério Público e recebida pela autoridade coatora.
Narra a Inicial acusatória que, no dia 31/12/2008, o paciente foi flagrado dirigindo embriagado veículo automotor em via pública, transportando no seu interior o filho menor impúbere.
Em que pese a constatação clínica (fls. 84) de que o paciente se encontrava embriagado, a imputação de prática delituosa prescinde do preenchimento dos parâmetros penais para a aferição da embriaguez.
De fato, como articula o impetrante, a reforma trazida pela Lei nº 11.705, de 19/6/2008, inseriu nova elementar ao art. 306 do CTB.
Estabelece o art. 306 do Código de Trânsito: “Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis decigramas, ou sob influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência”.
O Decreto n° 6.488/2008, por sua vez, em seu art. 2º, disciplina que, “para os fins criminais de que trata o art. 306 da Lei n° 9.503/1997 - CTB -, a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia é a seguinte: I - exame de sangue: concentração igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue; ou II - teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro): concentração de álcool igual ou superior a três décimos de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões”.
Desse modo, as elementares objetivas: concentração igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue, ou concentração igual ou superior a três décimos de miligrama de álcool por litro de ar expelido pelos pulmões devem ser, alternativamente, percorridas pelo agente para caracterização da tipicidade da conduta.
Guardadas as peculiaridades do caso e aplicadas as devidas proporções, faço menção à jurisprudência desta Câmara que caminha no mesmo sentido da presente decisão:
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“Extinção da punibilidade. Embriaguez ao volante. Art. 306 da Lei nº 9.503/1997. Fato ocorrido antes da publicação da Lei nº 11.705/2008. Falta de comprovação da dosagem alcoólica por litro de sangue do acusado. Abolitio Criminis. Extinção com fulcro no art. 107, inciso III, do CP. Recurso Ministerial improvido” (TJSP; RESE nº 990.09.0740744; Rel. Edison Brandão; órgão julgador: 16ª Câmara de Direito Criminal; data do julgamento: 29/9/2009).
Cumpre ainda salientar que este Eg. Tribunal não tem admitido a dispensa do preenchimento da nova elementar do tipo (Ap nº 990092032151 da 14ª Câmara Criminal, Ap nº 993080475628 da 3ª Câmara Criminal, Ap nº 990091282510 da 9ª Câmara Criminal e Ap nº 990092043226 da 4ª Câmara Criminal), de maneira que a jurisprudência citada pelo Il. membro do Ministério Público não só se refere a fato ocorrido antes da publicação da Lei nº 11.705, de 19/6/2008, como também foi construída antes dela.
Note-se, ademais, que, no caso em tela, o paciente foi encaminhado ao Instituto Médico Legal para a realização de exames. No entanto, por razões desconhecidas, pois não consta que tenha se negado a fazer o exame de sangue, é certo que não foi submetido a exame laboratorial, mas tão somente à análise clínica.
Também prejudicou a produção da prova o fato de o 51º Distrito Policial de Butantã - São Paulo - Capital - não dispor de meios para a realização de exame por etilômetro (fls. 77).
Assim, verifica-se que a prova imprescindível à comprovação da prática do delito não foi produzida por fatos não imputáveis ao agente.
Portanto, não configurada a materialidade do delito, não há que se falar na prática do crime previsto no art. 306 do CTB.
3 - Isto posto, pelo meu Voto, concedo a Ordem, convalidada a liminar, determinando o trancamento da Ação Penal.
Almeida Toledo
Relator
DECLARAÇÃO DE VOTO
Pelo meu Voto, acompanhei o Il. Desembargador Relator Dr. Almeida Toledo para conceder a Ordem impetrada em favor de P. C. B., determinando-se o trancamento da Ação Penal contra ele instaurada, como incurso no art. 306 do CTB.
Cabe ressaltar não ser possível a comprovação da materialidade delitiva pelo “etilômetro” por ter o parágrafo único do supracitado dispositivo dado poderes ao Poder Executivo Federal para estabelecer a equivalência entre os diversos testes, o que ocorreu com o Decreto n° 6.488, de 19/6/2008, que estipulou valores para o exame de sangue e para o “etilômetro”.
Realmente, o art. 306 da Lei n° 9.503/1997 é claro ao se referir especificamente à dosagem de seis ou mais decigramas de álcool por litro de sangue e o decreto regulamentador não pode ultrapassar os limites estabelecidos na forma regulamentada, sem inová-la.
Qualquer entendimento contrário, com a devida vênia, feriria o Princípio da Hierarquia das Normas Jurídicas.
É de se trazer à colação, por tratar de forma precisa essa questão, o v. Acórdão relatado pelo Em. Desembargador Roberto Martins de Souza, da C. 2ª Câmara de Direito Criminal deste E. Tribunal de Justiça, no julgamento do Habeas Corpus de nº 990.08.152617-4: “Argumentar que o Decreto nº 6.488/2008, ao regulamentar o parágrafo único do art. 306 do CTB, estipulando a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia (estabelecendo, em seu inciso II, que, para os fins criminais do citado dispositivo legal, o teste em aparelho alveolar pulmonar (etilômetro) deverá acusar concentração de álcool igual ou superior a três décimos de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões), teria suprido tal lacuna.
Ocorre que, no léxico, alcoolemia significa ‘estado do sangue que contém álcool’. Ora, não é possível aferir o estado do sangue sem realizar um exame químico nesse tecido. Assim, forçoso concluir que o etilômetro não constitui espécie de exame de alcoolemia, afigurando inviável, portanto, a equiparação pretendida pelo legislador.
Tal decreto também não reduziu a exigência do art. 158 do CPP, que estabelece ser indispensável o exame de corpo de delito para a caracterização da materialidade nas infrações que deixam vestígios, pois o teste do etilômetro não constitui perícia, exame, sendo sua natureza a de mera prova documental, pois sua realização prescinde de conhecimentos técnicos daquele que manipula o aparelho, sendo a leitura feita eletronicamente pelo próprio instrumento, prescindindo a interpretação do teste de qualquer especialização, conhecimento específico, somando-se a isso a característica de esse teste não ser passível de contraprova” (j. 26/1/2009).
Ante todo o exposto, concede-se a presente Ordem, nos termos do Voto do Em. Relator.
São Paulo, 27 de abril de 2010
Alberto Mariz de Oliveira
2° Juiz
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