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Jurisprudências

Direito Penal

DIREITO PENAL

Ação Penal - Denúncia - Homicídio Culposo - Negligência consistente em inobservância de regra técnica da profissão médica - Não percepção de sintomas visíveis de infecção, cujos diagnóstico e tratamento teriam impedido a morte da vítima. Falta consequente de realização de exame de antibiograma. Mera decorrência. Causa especial de aumento de pena prevista no art. 121, § 4º, do CP. Imputação cumulativa baseada no mesmo fato da culpa. Inadmissibilidade. Majorante excluída da acusação. Habeas Corpus concedido para esse fim. Inteligência do art. 121, §§ 3º e 4º, do CP. A imputação da causa de aumento de pena por inobservância de regra técnica de profissão, objeto do disposto no art. 121, § 4º, do CP, só é admissível quando fundada na descrição de fato diverso daquele que constitui o núcleo da ação culposa (STF - 2ª T.; HC nº 95.078-7-RJ; Rel. Min. Cezar Peluso; j. 10/3/2009; v.u.).

 

 

 

  ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes Autos.

Acordam os Ministros da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência da Sra. Ministra Ellen Gracie, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em conceder a Ordem de Habeas Corpus, nos termos do Voto do Relator. Falou, pelas pacientes, o Dr. M. G. P. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Sr. Ministro Eros Grau.

Brasília, 10 de março de 2009

Cezar Peluso

Relator

  RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): trata-se de Habeas Corpus, impetrado em favor de A. G. C., M. L. S., C. R. U. R. M. e B. M. M. F., contra decisão proferida pela 5ª T. do STJ, que lhes denegou o HC nº 94.473, com os mesmos objeto e pedido deste Writ.

As pacientes estão sendo processadas perante a 21ª Vara Criminal da Comarca da Capital-RJ, sob acusação de Homicídio Culposo, agravado pela “inobservância da boa técnica da profissão médica” no pós-operatório da vítima, que, submetida à cirurgia de timpanotomia exploradora bilateral e adenoamidalectomia, faleceu em virtude de meningite 4 dias depois.

Afirma a Denúncia:

“No mesmo dia da cirurgia e nos 3 dias que se seguiram, o paciente apresentou febre alta, tremores, bem como manchas na pele, conhecidas como petéquias cutâneas, sugerindo a presença de infecção por Neisseria Miningitidis, causadora da meningite.

Não obstante tais sinais clínicos e visíveis, os denunciados (...) não tomaram as providências devidas, tais como realização de antibiograma associado à hemocultura, o que teria levado ao diagnóstico da infecção que acometia a vítima.

Em razão da ausência de providências que levariam ao diagnóstico da infecção que se apresentava, não foram adotadas as medidas de apoio à vida mecionadas nos pareceres médicos de fls. (...), razão pela qual o quadro da vítima apresentou progressiva piora, culminando com sua morte por meningococemia, no dia 16/7/2006, não obstante os esforços da equipe médica da Clínica A. B., para a qual fora transferido.

Assim é que os denunciados deram causa à morte da vítima, eis que, em confronto com a boa técnica da profissão médica, negligenciaram flagrantemente na observação dos visíveis sintomas de infecção que o paciente apresentava, deixando sequer de adotar as medidas de tratamento da moléstia que culminou por levar a criança a falecer.

Assim agindo, estão os denunciados incursos nas penas do art. 121, §§ 3º e 4º, do CP” (fls. 23).

A defesa impetrou Habeas Corpus perante o TJRJ, que indeferiu o Writ (fls. 239/245, em apenso). Impetrou-se, então, Habeas Corpus perante o STJ, que indeferiu a Ordem, em decisão assim ementada:

Habeas Corpus. Homicídio culposo. Inépcia da Denúncia. Ausência de demonstração do nexo causal. Negligência. Inobservância de regra técnica da profissão. Bis In Idem. Inexistência. Precedentes. Reexame de matéria fático-probatória. Impossibilidade. 1 - Não se pode taxar de inepta a Denúncia que, assegurando o Contraditório e a Ampla Defesa, demonstra, com elementos mínimos, o fato supostamente criminoso, bem como o possível envolvimento dos acusados no delito em tese, de forma suficiente para a deflagração da ação penal. 2 - Se a Exordial acusatória evidenciou o nexo de causalidade entre o resultado morte e a negligência das pacientes médicas da policlínica onde a vítima estava internada, porque eram as responsáveis diretas pelas medidas necessárias para o diagnóstico e combate da doença que a matou, a revisão desses fatos não pode ser feita na via Habeas Corpus, vez que depende de reexame de matéria fático-probatória. 3 - O homicídio culposo se caracteriza com a imprudência, negligência ou imperícia do agente, modalidades da culpa que não se confundem com a inobservância de regra técnica da profissão, que é causa especial de aumento de pena que se situa no campo da culpabilidade, por conta do grau de reprovabilidade da conduta concretamente praticada. Precedentes. 4 - Ordem denegada” (fls. 88).

Alegam os impetrantes que a peça acusatória não indica a norma técnica que deveria ter sido observada, impossibilitando a ampla defesa. Sustentam, ainda, que o fato - a suposta inobservância da regra técnica de profissão - se apresenta na Denúncia como núcleo de culpa (negligência) e, ao mesmo tempo, como causa especial de aumento de pena, contrariando o Princípio do Ne Bis In Idem. Por fim, aduzem que a desconsideração da agravante tornaria possível a aplicação do art. 89 da Lei nº 9.099/1995.

Requerem a reclassificação do Crime imputado às pacientes, “expurgando da Denúncia a majorante e determinando-se que seja dada vista ao Ministério Público que oficia junto ao Juízo de 1º Grau, para que se pronuncie acerca da proposta de suspensão condicional do Processo” (fls. 17).

Concedi a Liminar, para sobrestar o Processo até o julgamento do presente Writ (fls. 35/37).

O Ministério Público Federal, em extenso e bem-fundamentado Parecer, opinou pela denegação da Ordem, afirmando, em síntese: 1 - que a inobservância de regra técnica, apesar de ter sido erroneamente classificada pela lei como causa especial de aumento de pena, forma o próprio núcleo da culpa e, assim, deve ser compreendida como figura típica fundamental mais grave, diversa e independente daquela prevista no tipo culposo simples (fls. 77); 2 - que o tipo culposo remete à violação de um dever de cuidado, e a hipótese de descumprimento de um dever expresso e objetivado de cuidado - como no caso da negligência médica - demonstra maior descuido do agente infrator, merecendo, assim, maior reprimenda penal (fls. 79); e 3 - que a Denúncia apontou, de forma clara, as regras técnicas inobservadas pelas pacientes - “a realização de antibiograma associado à hemocultura, o que teria levado ao diagnóstico da infecção que acometia a vítima” e “as medidas de apoio à vida mencionadas nos pareceres médicos de fls. 187/184 e 199/201” (fls. 81).

É o Relatório.

  VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1 - Não obstante a valorosa opinião do representante do Ministério Público Federal, tenho que é caso de concessão da Ordem. Cumpre afirmar, de plano, que não se cuida aqui de afastar a culpa das pacientes. Tal propósito não consta do pedido deste Habeas Corpus, nem poderia constar, diante das limitações inerentes à via adotada, no que tange ao exame de provas. Trata-se, apenas, de saber se há base factual para imputar às pacientes a causa de aumento de pena por inobservância de regra técnica, nos termos da Denúncia. 2 - Afirmei, em sede Liminar: “Há razoabilidade jurídica no pedido dos impetrantes. É que a aplicação do § 4º do art. 121 exige que a denúncia apresente situações diversas a se compatibilizar com o núcleo do tipo e com a causa especial de aumento de pena. Em outras palavras, é necessário que se descreva 1 - fato correspondente à imperícia, imprudência ou negligência; e 2 - fato que indique a inobservância de regra técnica de profissão. No julgamento do HC nº 86.969 (Rel. Min. Gilmar Mendes; DJ de 24/2/2006), esta Corte julgou possível a condenação pelo art. 121, §§ 3º e 4º, do CP. Naquela ocasião, entendeu-se caracterizado o crime culposo pela negligência - utilização de elevador de obra impróprio para carga de pessoas. Já a causa de aumento de pena foi reconhecida pela inobservância dos requisitos mínimos de segurança na instalação do elevador de carga, na forma detectada pela perícia. Ou seja: naquela oportunidade, a denúncia foi capaz de descrever fatos distintos para fundamentar a culpa e a majorante.

Não é o que ocorre no caso. A Denúncia se utiliza da mesma circunstância - de que os pacientes ‘flagrantemente negligenciaram na observação dos visíveis sintomas de infecção que o paciente apresentava, deixando sequer de adotar as medidas de tratamento da moléstia que culminou por levar a criança a falecer’ - para caracterizar o delito e para fundamentar a aplicação da majorante.

Ora, se a inobservância da regra técnica foi o próprio núcleo da culpa, não pode ela servir, também, para incidir o aumento da pena. Do contrário, incorrer-se-á em insuperável Bis In Idem” (fls. 36).

Segundo o Ministério Público Federal, o que leva alguns doutrinadores a classificar a referência à inobservância de regra técnica como Bis In Idem é a sua errônea definição como causa especial de aumento de pena. De acordo com o d. Parecer, somente se daria dupla incidência “se fosse mera circunstância do homicídio culposo, isto é, caso inexistente a mencionada inobservância, subsistiria do mesmo modo o crime culposo. Entretanto, não é o que ocorre na hipótese da 1ª parte do § 4º do art. 121, porquanto, nesse caso, o crime resulta exclusivamente da inobservância de regra técnica, não sendo esta simples circunstância, mas o próprio núcleo da culpa” (fls. 77). Assim, em Homicídio Culposo, cujo núcleo da culpa fosse a inobservância de regra técnica, não incidiria causa de aumento de pena, senão que se caracterizaria nova figura típica: Homicídio Culposo Qualificado. Afasta-se, dessa forma, a alegação de Bis In Idem, pois a maior culpabilidade da conduta é compreendida no próprio tipo qualificado.

Permita-me, no entanto, discordar: a uma, porque não se pode, mediante ato do intérprete, criar figura típica, sob pena de grave violação ao Princípio da Legalidade Penal. Ora, a legislação penal não prevê figura de Homicídio Culposo Qualificado por inobservância de regra técnica. Note-se que isso não significa seja a causa de aumento de pena inaplicável - verifique-se, a propósito, o precedente citado em sede liminar (HC nº 86.969; Rel. Min. Gilmar Mendes; DJ de 24/2/20006) -, mas apenas que é mister a concorrência de 2 condutas distintas, uma para fundamentar a culpa, e outra para configurar a majorante. E a duas, porque o próprio conceito de negligência, enquanto fundamento da culpa imputada às ora pacientes, exige a preexistência de dever de cuidado objetivamente atribuído ao agente (para JUAREZ TAVARES, pode-se conceituar a negligência como “forma de conduta humana que se caracteriza pela realização do tipo de um delito, por meio de ação perigosa e contrária ao dever de cuidado, materializável em um resultado proibido, previsível e evitável, e cuja culpabilidade se assenta no fato de não haver o agente evitado sua realização, apesar de capaz e em condições de fazê-lo” (Direito Penal da Negligência. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 256). CIRINO DOS SANTOS sustenta que o tipo culposo é formado ”por 2 elementos correlacionados: em 1º lugar, a lesão do dever de cuidado objetivo, como criação de risco não permitido, que define o desvalor da ação; em 2º lugar, o resultado de lesão do bem jurídico, como produto da violação do dever de cuidado objetivo ou realização de risco não permitido, que define o desvalor do resultado” (Direito Penal, Parte Geral. Curitiba: Lumen Juris, 2006, p. 171)). Em outras palavras, só há dever de agir quando haja dever de cuidado, expresso ou não, em normas regulamentares, até porque a responsabilidade penal da omissão decorre, em última análise, do disposto no art. 13, § 2º, do CP.

Daí ser impróprio atribuir a priori maior reprovabilidade penal à omissão negligente que viola dever fundado em norma regulamentar do que à violação das pautas sociais de cuidado, como quer o Ministério Público (fls. 78-79). Se o legislador não distinguiu graus de culpa, cabe ao Juiz, ao proferir a sentença, ponderar as circunstâncias e, ao determinar a culpabilidade do agente, majorar-lhe a pena, quando a negligência represente alto grau de reprovabilidade.

3 - Finalmente, tanto a Denúncia quanto o Acórdão ora impugnado procuram desmembrar a conduta das acusadas, para fundar a aplicação simultânea do disposto nos §§ 3º e 4º do art. 121 do CP. Afirma a decisão impugnada, verbis:

Nos termos da Denúncia, as médicas-pediatras agiram com negligência porque deixaram de notar os evidentes sintomas de meningite que a vítima apresentava, mormente as lesões na pele. (...) Vê-se da Exordial acusatória que a majorante da inobservância da regra técnica constituiu em terem as acusadas deixado de realizar o exame de antibiograma associado à hemocultura, indicado quando há probabilidade de infecção” (fls. 70).

Como já afirmei, não se afasta, aqui, a culpa das pacientes. Há, na Denúncia, a descrição de uma sucessão de atos que indicam a negligência das médicas em ignorar os sintomas da doença que, diante das circustâncias, não lhes era permitido ignorar. Mas, se as médicas ignoraram a presença dos sintomas, é natural que tenham procedido como se não houvesse doença por tratar. Daí a não realização do exame de antibiograma associado à hemocultura (que, segundo a Denúncia, teria diagnosticado o problema) ser mera decorrência da 1ª omissão, e não nova conduta!

A própria Denúncia afirma que não foram adotadas medidas de apoio à vida - procedimentos médicos de resposta à infecção hospitalar - “em razão da ausência de providências que levariam ao diagnóstico da infecção que se apresentava” (fls. 204, em anexo). Trata-se, portanto, de uma só conduta, embora com trágicas consequências.

Patenteando-se que a mesma conduta serviu à Denúncia como fundamento da culpa e da causa de aumento da pena, tem-se por configurado o Bis In Idem.

4 - Ante o exposto, concedo a Ordem para, nos Autos da Ação Penal nº 2007.001.032280-5, em trâmite perante a 21ª Vara Criminal da Comarca da Capital-RJ, afastar a causa de aumento de pena prevista no art. 121, § 4º, 1ª Parte, do CP, e determinar seja dada vista dos Autos ao Ministério Público, para que se manifeste a respeito do disposto no art. 89 da Lei nº 9.099/1995.

Cezar Peluso

Relator

 

 

   
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