ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes Autos de Apelação nº 990.10.161261-5, da Comarca de Rio Claro, em que é apelante L. S. (Justiça Gratuita), sendo apelado Departamento Autônomo de Água e Esgoto de Rio Claro - DAAE.
Acordam, em 7ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “deram provimento parcial ao Recurso, nos termos que constarão do Acórdão. v.u.”, de conformidade com o Voto do Relator, que integra este Acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores Coimbra Schmidt (Presidente) e Barreto Fonseca.
São Paulo, 27 de setembro de 2010
Moacir Peres
Relator
RELATÓRIO
L. S., inconformado com a r. sentença que julgou improcedente a Ação Indenizatória (fls. 66-67), interpôs Recurso de Apelação.
Argúi, preliminarmente, a nulidade da r. sentença, que afirma carecer de motivação. Afirma que não restou comprovada a existência de ligação clandestina, acrescentando que nunca foi notificada pela demandada a respeito. Diz que a autarquia não comprovou a alegada culpa exclusiva da vítima. Argumenta que não tem o dever de produzir prova negativa. Cita julgados em seu favor. Diz que estão presentes todos os requisitos da responsabilidade civil. Daí, pleitear a reforma da r. sentença (fls. 70/78).
Com as contrarrazões (fls. 81/87), subiram os Autos.
É o relatório.
VOTO
Objetiva o autor, por meio da presente Ação, seja o Departamento Autônomo de Água e Esgoto - DAAE - condenado “ao pagamento referente aos danos materiais, além dos acessórios, que incluem juros, correção monetária, custas judiciais e honorários advocatícios apurados em liquidação de sentença” e “ao pagamento de danos morais, a ser arbitrado por esse R. Juízo, tendo em vista todo o transtorno sofrido pelo autor e seus familiares” (fls. 6).
Afasta-se a preliminar de nulidade por ausência de motivação. Não há inconsistências quanto à apreciação das provas pelo MM. Juiz da causa, posto que o conjunto probatório foi valorado conforme o livre convencimento motivado do Magistrado.
Desponta dos Autos que, no dia 5/4/2007 (fls. 6), rompeu-se um cano mestre de água da via pública (fls. 30/32), inundando a residência do demandante de água, lama e esgoto (fls. 18/29 e 60).
O autor efetuou pedido administrativo de ressarcimento dos prejuízos sofridos, que foi indeferido (fls. 15).
Não há que se confundir as hipóteses de responsabilidade objetiva e subjetiva do Estado pelos danos causados aos particulares.
Na 1ª, prevista no art. 37, § 6º, da CF, o Estado responde pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, sem necessidade de comprovação da culpa dos agentes públicos. Aplica-se quando, em decorrência da atividade lícita e esperada da Administração, é causado prejuízo a particular.
Adota-se, nesses casos, a Teoria do Risco Administrativo, que “faz surgir a obrigação de indenizar o dano do só ato lesivo e injusto causado à vítima pela Administração. Não se exige qualquer falta do serviço público, nem culpa de seus agentes. Basta a lesão, sem o concurso do lesado” (HELY LOPES MEIRELLES, Direito Administrativo brasileiro, 30. ed., São Paulo, Malheiros, 2005. p. 631, destaque no original).
De outro lado, se o prejuízo ao particular for causado por atividade estatal anormal, não prescrita em lei, isto é, se decorrer de ato ilícito ou de conduta omissiva nos casos em que há o dever legal de agir, adota-se, segundo entendimento prevalente na doutrina e na jurisprudência, a responsabilidade subjetiva do Estado. Nesses casos, é necessária a comprovação de culpa para que surja a obrigação de indenizar.
Esta C. 7ª Câmara de Direito Público, apreciando caso em que também se aplicava a responsabilidade subjetiva do Poder Público, assim dispôs: “Responsabilidade subjetiva é obrigação de ressarcir que incumbe a alguém por ato culposo ou doloso consistente em causar um dano a outrem ou em deixar de impedi-lo quando obrigado a isto. No Direito Público, não é necessária a identificação da culpa individual para deflagrar-se a responsabilidade. Esta noção individualista da culpa está ultrapassada pela ideia da faute du service dos franceses. Ocorre a culpa do serviço ou falta do serviço, diz CELSO ANTÔNIO, quando este não funciona, devendo funcionar, funciona mal ou funciona atrasado. Essa é a ligação entre a responsabilidade tradicional do Direito Civil e a objetiva preceituada no art. 37, § 6º, da Constituição da República. (...) Acentue-se que a responsabilidade por ‘falta de serviço’, falha do serviço ou culpa do serviço é modalidade de responsabilidade subjetiva, como bem pontuava OSWALDO ARANHA BANDEIRA DE MELLO: ‘PAUL DUEZ, a quem se deve a sistemática da faute, faz expressa menção à culpa nominando culpa in committendo; culpa in ommittendo e service a fonctionné tardivement. A jurisprudência francesa, nesta linha de raciocínio, sempre apreciou in concreto a falta, levando em conta a ‘diligência média que se poderia legitimamente exigir do serviço’ (La Responsabilitté de La Puissance Publique, Paris, 1927, p. 14) (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, Curso de Direito Administrativo, 8. ed., p. 579). Como o dano ocorreu em decorrência de uma omissão do município (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente), aplica-se a teoria da responsabilidade subjetiva. O autor comprovou, quantum satis, o nexo de causalidade. Os danos ocorreram na forma dantes mencionada, por omissão na prestação dos serviços públicos, por falta de segurança e pela ausência de prevenção do perigo. Logo, a sua responsabilidade é por ato omissivo, não necessitando individualizá-la, eis que se aplica a teoria francesa do faute du service. E sendo responsabilidade por ilícito, é necessariamente responsabilidade subjetiva inominada, pois a conduta ilícita do município ocorreu pelo descaso, desleixo e falta de prudência dos órgãos administrativos no trato das coisas públicas. Em suma, deveria agir, no mínimo, sinalizando o local, o que inocorreu; já que se comportou abaixo dos padrões legais que normalmente deveriam caracterizá-lo, responsabiliza-se pelos evidentes danos ocasionados” (Ap nº 703.731.5/0-00; Rel. Des. Guerrieri Rezende; j. 5/11/2007).
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É necessário, portanto, comprovar a chamada culpa do serviço, isto é, que o serviço não funcionou, ou que funcionou de modo tardio ou ineficiente.
O dever de indenizar, de um modo geral, decorre da presença, em dado caso concreto, dos seguintes elementos: dano, conduta lesiva e nexo de causalidade entre eles. Em se tratando de responsabilidade subjetiva, faz-se indispensável, também, a comprovação da culpa do agente ou, no caso da responsabilidade civil do Estado, da culpa do serviço.
Comprovada a presença desses elementos, a responsabilidade civil somente pode ser afastada pela alegação e comprovação, pelo Poder Público, das excludentes de força maior, caso fortuito e culpa exclusiva da vítima.
Desse modo, considerando-se que, no caso dos Autos, há alegação de omissão da autarquia quanto à conservação da rede pública de água e esgoto, para que haja o dever de indenizar os prejuízos suportados pelo autor, é necessário que restem comprovados os seguintes elementos: 1 - culpa do serviço; 2 - dano; e 3 - nexo causal entre o comportamento da demandada e o dano.
Aplicando-se o disposto no art. 333 do CPC, cabia ao autor provar os referidos elementos e à autarquia, as excludentes de sua responsabilidade.
A culpa do serviço, consistente, no caso dos Autos, na ineficiência da manutenção das tubulações, foi devidamente comprovada. Restou incontroverso que, no dia dos fatos, o cano estourou sem que tenha ocorrido nenhum acontecimento extraordinário, donde se denota o estado precário de conservação da tubulação.
A autarquia, em sua defesa, invocou a culpa exclusiva da vítima como causa excludente da responsabilidade, afirmando que o acidente somente ocorreu em razão de a ligação de água do autor ser clandestina.
Entretanto, a culpa exclusiva da vítima não restou comprovada. Não foi demonstrada, de forma cabal, a existência de ligação clandestina de água e esgoto.
Presente, portanto, o nexo causal, de modo que faz jus o autor à reparação pleiteada.
Os danos materiais alegados pelo demandante, contudo, não restaram comprovados, posto que não há nos Autos documentação referente a gastos eventualmente realizados. Ademais, não há nos Autos prova de que os móveis e objetos pertencentes ao autor tenham sofrido danos que os tornassem inutilizáveis.
Quanto aos danos morais, é razoável presumir que aquele que é surpreendido pela entrada de dejetos em seu lar sofre transtornos que não podem ser considerados como simples constrangimentos. Sofre, portanto, danos morais passíveis de reparação. Ressalte-se que a indenização pelo dano moral tem dupla finalidade de indenizar o sofrimento da vítima e desestimular o seu causador a voltar a praticar ou deixar de praticar atos que o causem. Não visa ao enriquecimento, nem permite que se desvirtue sua finalidade; sua fixação deve levar em conta as circunstâncias de cada caso.
É certo que inexiste critério seguro para o arbitramento do dano moral, mas, no caso concreto, considera-se razoável e justo o valor de R$ 5.000,00, que serve para aliviar a dor da autora e exerce função penalizadora para o município.
Sobre o montante reparatório incidem juros de mora de 1% ao mês, conforme prevê o art. 406 do CC, desde o evento danoso, nos termos da Súmula nº 54-STJ.
Quanto às verbas sucumbenciais, reconhece-se ser “incabível, tão somente, a condenação no pagamento das custas e taxas do Processo, nos termos do que está disposto no art. 2º, caput, da Lei nº 4.476/1984 (Regimento de Custas e Emolumentos):
‘A União, o Estado, o município e as respectivas autarquias não estão sujeitos ao pagamento das custas, emolumentos e contribuições, em quaisquer atos praticados nas serventias ou por Oficiais de Justiça; estes últimos serão, neste caso, ressarcidos das despesas havidas, na forma prevista pelo art. 15, inciso III, desta Lei’” (Ap nº 794.275.5/9-00; Rel. Des. Rebouças de Carvalho; j. 17/12/2008; v.u.). São devidas, assim, as custas em reembolso e os honorários advocatícios.
No tocante à verba honorária, observando-se o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado e o tempo exigido para o serviço (art. 20, § 4º, do CPC), e considerando-se que o autor decaiu de parte mínima do pedido, fixam-se os honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação.
Ante o exposto, afastada a preliminar de nulidade da r. sentença, dá-se parcial provimento à Apelação do autor para, julgando parcialmente procedente a Ação, condenar a demandada a lhe reparar os danos morais, arbitrados em R$ 5.000,00, montante sobre o qual incidirão, desde o evento danoso, juros de mora de 1% ao mês. Custas em reembolso e honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% do valor da condenação, a cargo do vencido.
Moacir Peres
Relator
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