Consumidor - Indenização - Danos materiais e morais - Aquisição de cota de consórcio frustrada, por conta do desvio
do valor pago pelo autor - Sentença de procedência, tanto em relação à empresa que ofereceu o produto ao consumidor
quanto em relação à administradora do Consórcio. Decisão mantida. A administradora do Consórcio pode
ser responsabilizada solidariamente. Inteligência do art. 25, § 1º, da Lei nº 8.078/1990. Recursos desprovidos (TJSP -
22ª Câm. de Direito Privado; Ap nº 991.08.015820-0-Santo André-SP; Rel. Des. Campos Mello; j. 24/8/2010; v.u.).
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes
Autos de Apelação nº 991.08.015820-
0, da Comarca de Santo André, sendo
apelantes I. I. V. M. Ltda. e outra e
apelado H. O. G.
Acordam, em 22ª Câmara de Direito
Privado do Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo, proferir a
seguinte decisão: “negaram provimento
ao Recurso, v.u.”, de conformidade
com o Relatório e Voto do Relator,
que integram este Acórdão.
Presidiu o julgamento o Desembargador
Roberto Bedaque e dele participaram
os Desembargadores Matheus
Fontes (Revisor) e Andrade Marques.
São Paulo, 24 de agosto de 2010
Campos Mello
Relator
n º 2716 2 4 a 3 0 d e j a n ei r o de 2011 Jur isprudência 5877
Relatório
São Apelações contra a sentença
a fls. 85/89, que julgou procedente
demanda ordinária de indenização
de danos materiais e morais.
Em seu Recurso, alega a corré I.
que a decisão não pode subsistir, pois
configurado cerceamento de defesa em
decorrência do julgamento antecipado
da lide. Além disso, afirma que não há
provas nos Autos de que tenha contribuído
para o evento danoso e, por isso,
não pode ser compelida a indenizar.
A corré F. também apelou, buscando
a inversão do resultado, com o argumento
de que não deu causa à consumação
do dano alegado pelo autor.
Contrarrazoados os Apelos, subiram
os Autos.
É o relatório.
vOTO
Inicialmente, não se consumou o
alegado cerceamento de defesa, por
não haver fatos controvertidos que
dependessem de produção de prova
suplementar. Ao contrário do alegado,
o feito estava em plenas condições
de ser sentenciado.
No mais, o que se constata da análise
da Inicial é que o autor, com o intuito
de adquirir uma cota de Consórcio,
compareceu ao estabelecimento
da corré I. e lá firmou uma proposta de
adesão ao Consórcio gerido pela F. C.,
oportunidade em que efetuou o pagamento
do valor de R$ 3.007,06. Tempos
depois, descobriu que o valor que havia
pago não foi repassado à administradora
do Consórcio, motivo pelo qual
o negócio não se concretizou.
Em tais circunstâncias, a procedência
da demanda em relação à apelante
I. foi bem decretada. Com efeito,
restou incontroverso nos Autos o fato
de que o autor foi ludibriado, visto que
entregou o valor que lhe foi exigido
pela funcionária da mencionada ré (cf.
fls. 5/7), mas viu frustrada a sua expectativa
de adquirir referida cota de
consórcio. Ficou evidenciado, inclusive,
que referida funcionária induziu o
autor a depositar o valor de R$ 500,00
na sua própria conta bancária (cf. fls.
7). Diante desses fatos, era mesmo de
rigor concluir que a causadora direta
do evento danoso descrito na Inicial
foi a preposta da ré I., o que constitui
a razão do dever desta de indenizar.
Também a administradora do Consórcio
responde. Ela escolheu a corré
para ofertar seus serviços ao público,
tanto assim que utilizados documentos
timbrados com sua identificação (fls. 5
e 6), a proposta de admissão e o recibo
de admissão. Tais documentos criam o
liame jurídico que acarreta a incidência
do disposto no art. 25, § 1º, da Lei nº
8.078/1990 e a obrigam a indenizar os
inequívocos danos sofridos pelo apelado.
Relembre-se, além do mais, que
a oferta de determinado produto ou
serviço ao consumidor é vinculante, de
acordo com a regra do art. 30 do aludido
diploma legal. E o documento a
fls. 5, a proposta de admissão, tem o
sentido de oferta, depois de preenchido
e assinado pelo interessado. E o mero
descumprimento da oferta já rende
ensejo ao dever de indenizar, inclusive
danos morais, de acordo com a previsão
do art. 6º, inciso IV, do CDC (cf., a
propósito, BRUNO MIRAGEM, Direito
do Consumidor, Ed. RT, 2008, p. 183).
Não se pode perder de vista que,
hoje em dia, a preocupação primordial
dos que se ocupam da responsabilidade
civil é a da proteção da pessoa
do lesado. É por causa disso que deve
preponderar o enfoque do risco profissional
como princípio informador do
dever de reparação. E, principalmente,
no âmbito das atividades profissionais
lucrativas, toda e qualquer pessoa tem
o dever geral de se conduzir de modo
a não causar prejuízo a outrem (SANSEVERINO,
ob. cit., p. 202). O fornecedor
está sujeito objetivamente (cf. JTJ
203/95, 2ª Câm. de Direito Privado,
Rel. Des. Vasconcellos Pereira, TJSP,
ACi nº 70.286-4; 6ª Câm. de Direito
Privado, Rel. Des. Antônio Carlos
Marcato, apud RUI STOCO, Tratado de
Responsabilidade Civil, Ed. RT, 5ª ed.,
2001, p. 345) às consequências advindas
do risco de sua atividade profissional,
até independentemente de culpa,
desde que estabelecido o nexo de causalidade
e não configurada excludente
ou dirimente, como na espécie. Assim,
a administradora não só é parte legítima,
como ainda deve reparar o dano.
O dano extrapatrimonial ficou evidenciado.
Não decorre do mero descumprimento
de oferta pública, algo
que restou a salvo de controvérsia,
mas principalmente da atitude da
corré encarregada de captar a clientela
da administradora do consórcio,
que violou ostensivamente os Princípios
mais evidentes da Boa-Fé Negocial,
ao protelar de maneira despropositada
a devolução do dinheiro
do autor, agindo com descaso reprovável
e inadmissível. Em consequência,
a reparação dos transtornos pelos
quais passou o apelado é mesmo
de rigor, tal indenização tem caráter
dúplice, compensatório e punitivo
(cf., a propósito, DELFIM MAYA DE
LUCENA, Danos não Patrimoniais,
Ed. Almedina, 1985, p. 63; CAIO
MÁRIO DA SILVA PEREIRA, Responsabilidade
Civil, Ed. Forense, 1989,
p. 67; SÉRGIO SEVERO, Os Danos
Extrapatrimoniais, Ed. Saraiva, 1996,
p. 191) e aqui deve ser ressaltada a
finalidade punitiva, tendo em vista a
conduta demasiadamente injurídica
da corré. E, se a administradora a escolheu,
deve agora arrostar as consequências
de sua opção empresarial.
Pelo exposto, nego provimento
aos Recursos.